Capítulo Três – Fatos
2 de Outubro de 2003
Era duas horas da tarde quando Danilo
resolveu sair um pouco de casa para tentar pensar em alguma coisa que não fosse
aquela garota por quem estava apaixonado sem sequer ter visto uma vez na vida.
As pessoas passavam parecendo não se importar bastante com nada que acontecia
ao redor, como se nada importasse de verdade, ao menos era nisso em que Danilo
pensava quando via alguém passando por ele com um semblante apático. Seu olhar
crítico não o deixava imaginar o mundo de outra forma, ele julgava as pessoas como
se todas fosse exatamente iguais uma as outras, como se todos fossem apenas
“farinha do mesmo saco”. Ser uma pessoa muito reclusa fez com que ele olhasse o
mundo com outros olhos, não com aqueles de pessoas normais que deixam escapar
traços importantes das pessoas, mas digamos que Danilo conseguia perceber as
piores partes de cada pessoa tendo apenas uma pequena conversa, o que ele já
achava ser completamente normal.
Sentou-se em um banco qualquer que tinha numa praça pequena no bairro
aonde morava, para ficar observando as pessoas que passavam por ai e tentar ver
quantas não aparentavam estar felizes. Aquele era um lugar triste, pois, a
praça em si não colaborava para aumentar o ânimo de ninguém. As folhas das
poucas árvores que lá tinham estavam quase tão amarelas quanto uma casca de
banana, o que não era nada comparado ao fato de que quase toda a quadra de
futebol estava pichada e quebrada, que parecia ser ainda mais insignificante
quando você olhava para a grama que lá tinha e percebia que havia lixo em quase
toda parte. O abandono daquela praça era notável até por alguém que apenas a
visse por poucos segundos, pois, tudo nela estava podre, e assim Danilo julgava
todos que lá passavam incluindo ele mesmo.
Na frente desta praça ficava o colégio público mais
abandonado de toda a cidade de João Pessoa. Era um cenário deprimente para
qualquer pessoa, mesmo que esta não tivesse muita sensibilidade. A grade cinza
estava em boa parte arrancada, e o pouco que ainda sobrava estava torto ou
enferrujado. Não havia portão naquela escola, pois, sempre que o governo
colocava um portão novo, as pessoas quebravam um pouco depois de colocarem, ou
alguns vinham á noite para fazer isto. Não havia diretores na escola, sequer
professores e muito menos alunos. Além de que toda a parte externa e interna da
escola estava pichada, e havia boatos de que ali se realizavam rituais de
grupos satânicos todas as sextas feiras, o que Danilo era curioso para saber se
isto acontecia realmente, mas nunca teve coragem de ir. O lixo consuma
totalmente aquele lugar, tendo desde comida jogada fora, embalagens plásticas,
vidros que eram provavelmente de bebidas ou lixo hospitalar. As pessoas que
deveriam ter ao menos um pouco de bom senso, apenas faziam colaborar para que
aquela situação se agravasse, jogando cada vez mais lixo lá dentro. Danilo de
alguma forma se sentia confortável neste banco, olhando para esta escola.
Aquele foi um dia marcado por uma chuva fina, que quase
não deu uma trégua para as pessoas que buscavam sair. Danilo adorava chuvas,
porque o som que ela fazia era de uma melancolia extrema, como se trouxesse um
sentimento agradável para si, mas ele sabia que não era bom. Seus olhos que ao
mesmo tempo possuíam a determinação de um guerreiro que acabara de sair para
uma guerra em que o destino do mundo estava em jogo, possuíam uma tristeza de
uma pessoa amarga que não possuía nada na sua vida. Esta dualidade fazia com
que tudo fosse complicado, pois a mesma coisa que o fazia ficar feliz era a
coisa que o fazia ficar triste, o que era simplesmente inexplicável para
Danilo. Ele queria ao menos poder ver o rosto daquela garota, mas o fato de que
ela provavelmente nunca vai querer ver ele, o deixava totalmente desanimado,
como se tivesse perdido completamente o chão. A chuva caia no chão assim como a
vontade de ir procurar a garota caia em um abismo profundo, no qual se guarda
aquelas ideias que você nunca vai executar mesmo sabendo o quanto quer fazer,
você simplesmente vira as costas e jura para si mesmo que não se importa. Danilo
estava muito pensativo naquele momento, talvez estava formulando algum jeito de
encontrar esta menina em algum lugar, ou talvez estava apenas preso na sua
grande “caixa do nada”, que era um lugar em que não havia nada além de um
branco total e uma paz para poder esquecer um pouco as coisas. O mais estranho
era que aquele era um lugar muito diferente daqueles que a maioria das pessoas
procuram quando estão querendo pensar em algo, pois aquele lugar inteiro te
dava uma sensação de mal estar enorme, e haviam notícias que diziam que algumas
pessoas haviam se suicidado ali.
Depois de algum tempo ali parado, Danilo notou que alguma
pessoa tinha se sentado ao seu lado e estava o observando, e o que mais o
deixava curioso era que ele não tinha percebido a chegada desta pessoa. Então
ele ajeitou-se no banco, para então criar coragem para falar com aquele
indivíduo misterioso.
-Faz muito tempo que
você está aqui? – Perguntou Danilo
=Não tanto, você estava
ai perdido em pensamentos que pareciam te deixar desnorteado, então não quis te
atrapalhar, até porque eu mesmo ficaria com raiva se alguém fizesse isso –
Respondeu
-O que você faz aqui? ,
acho que nenhuma outra pessoa em sã consciência viria a um lugar como este em
um dia chuvoso – Perguntou Danilo, querendo não demonstrar que estava receoso
com aquele indivíduo.
-Eu gosto de lugares
como este. Como eu quero ser escritor algum dia, acho que devo andar em todos
os tipos de lugares, para depois falar sobre eles. Ah, e meu nome é Tiago. –
Respondeu Thiago, dando um leve sorriso após ter se apresentado.
-Meu nome é Danilo. Eu
não acho que lugares como este vão inspirar alguma coisa de útil, pois tudo que
eu penso agora é em como eu vou fazer algo que parece ser impossível – Falou
Thiago, com um grande tom de tristeza.
Thiago ficou olhando um pouco para uma árvore que tinha
perto de onde eles estavam, deixando sua mente vaguear por ai enquanto seus
olhares estavam totalmente fixos naquela árvore. Depois de um certo tempo,
Thiago notou uma certa inquietação em Danilo, como se ele não quisesse estar
mais ali, como se a sua presença não fosse mais bem vinda. Então ele apontou
para a árvore que estava observando e disse:
-Você consegue ver o
passado ao olhar para algumas coisas? , ou o que ela realmente é por fora de
todas as máscaras? – Falou Thiago.
-Não consigo, mas não
entendi aonde você está querendo chegar falando estas coisas. – Disse Danilo,
aparentando estar muito confuso com aquilo – Por algum acaso você consegue? –
-Eu acho que consigo um
pouco – Disse Thiago, interrompendo para ajeitar um pouco a sua touca vermelha.
– Mas olhe para esta árvore, você acha justo julgar ela apenas por causa da
aparência atual dela?, talvez ela já tenha sido uma árvore muito bonita algum
dia, mas o tempo tirou toda a beleza dela, como um ladrão que tira os pertences
da sua vítima. O tempo é o maior inimigo das pessoas, e parece que quanto mais
o tempo passa, mais as coisas ficam feias e sem cor, ao menos é isto que eu
acho. Temos que ver as pessoas por quem elas realmente são, e não por quem elas
querem aparentar ser, como você que estava sozinho em um lugar como este,
provavelmente ninguém além de você sabe do que se passa na sua cabeça, e você
não ousaria contar pelo fato de que as pessoas poderiam te achar estranho. Você
como muitas outras pessoas, está apenas usando uma máscara para esconder quem
você realmente é, talvez para proteger a si mesmo de alguma coisa, não sei. Mas
é justamente como a árvore, ela está se escondendo em máscaras velhas apenas
para as pessoas olharem para ela e pensarem que ela é simplesmente uma árvore
normal, mas no fundo ela é uma árvore triste que não fala para ninguém além de
si mesma. Esta comparação não deve ter ficado muito boa, mas acho que é o
suficiente para você entender tudo que eu quero falar. Ou acabamos com os
problemas, ou eles acabam conosco. –
O silêncio tomou conta do lugar, como aquelas visitas que
vem apenas para passar alguns minutos e acaba começando a morar na casa. Danilo
estava absurdamente surpreendido por todas as palavras que Thiago acabava de
dizer. Era incrível o fato de que uma pessoa que aparentava ter a mesma idade
que a dele, tivesse uma visão de mundo muito superior a pessoas com mais idade
que ele. Os adolescentes naquela época não ligavam muito para nada, queriam apenas
se divertir a qualquer custo, nem que fosse com bebidas ou qualquer outra
droga. Danilo estava com receios, mas depois do que ele ouviu, tudo que ele
poderia fazer era admirar totalmente aquele cara que havia acabado de conhecer.
Depois de um tempo, Danilo resolveu quebrar aquele silêncio:
-Estou realmente
surpreso, não achava que havia uma pessoa que fosse mais ou menos da minha
idade, que tivesse um pensamento diferente de todas as outras pessoas, eu estou
realmente surpreso. –
E enquanto eles conversavam, a chuva continuava caindo
lentamente no chão como se nunca fosse parar. E assim começou a amizade
daqueles dois rapazes, que mal sabiam o que o futuro os reservava.
11 de Abril de 2005
As coisas pareciam ter se normalizado entre
Danilo e Thiago, mas o clima ainda estava um pouco tenso entre os dois, e isto
dava para facilmente ser notado se você observasse o fato de que os dois
estavam em lados opostos no quarto, cada um fazendo uma coisa totalmente
diferente. Os pratos sujos da pizza que havia sido comida no dia anterior ainda
estavam em cima da mesa, a garrafa de refrigerante que agora estava seca ainda
estava em cima da mesa, e nenhum dos dois pareciam estar preocupados com isto,
como se não importasse nem um pouco com isto. O guarda-roupas de Thiago estava
bagunçado, pois ele havia revirado muita coisa para procurar um antigo mangá de
Naruto para ler, que acabou não achando, e deixando toda aquela bagunça lá.
Danilo que parecia o que estava menos se importando com toda a bagunça do
quarto, estava lendo um antigo romance que havia levado para Thiago ler, mas
depois daquilo que havia ocorrido, ele desistiu da ideia de emprestar e acabou
decidindo que iria ler de novo aquele romance. Thiago, por sua vez, estava no
seu computador procurando mais notícias relacionadas com o que havia acontecido
no festival. Até que em certo momento, quando as coisas pareciam estarem
totalmente perdidas, Danilo olhou calmamente para Thiago, e então disse:
-Desculpe-me por ter
sido tão grosso contigo, mas acho que ainda tenho uma forte ligação com aquela
garota, e não estou pronto para ver ela novamente. –
-Que isso cara, não
precisa se desculpar. O único que precisa de desculpas aqui sou eu, que fui um
tanto quanto insistente sobre um assunto que eu sabia que você não iria gostar.
Vou deixar esta coisa toda de investigação de lado se você quiser – Disse
Thiago, enquanto ia fechando todas as abas do navegador.
-Aquilo tudo com ela
foi como uma mentira, pois é isto que o amor sempre pareceu para mim, uma
grande mentira. Você não precisa se desculpar, caro amigo. Vamos investigar
isto a fundo, eu iria adorar que ela tivesse feito algo de errado, pois além
que quebrar a imagem quase perfeita que eu tenho dela, iria servir como uma
vingança. – Disse Danilo, com os olhos fixos em Thiago.
- Ela nunca foi
perfeita, nada no mundo é perfeito, cara. Vamos então investigar tudo que
podemos na internet, vou precisar da sua ajuda para coletar o máximo de
informações. Será que? .... – Disse Thiago, com uma grande pausa no final.
-Não vá dizer que você
acha que ... – Disse Danilo, olhando para Thiago com uma cara de espanto
-Sim, acho que isto é
bem possível. Comecemos a pesquisar, vou colocar Metallica aqui para podermos
pesquisar com inspiração. Mas claro, temos vários suspeitos disto, não vamos
tirar conclusões precipitadas. – Disse Thiago, rindo bastante.
Danilo então pegava um antigo notebook seu, que havia
deixado na casa de Thiago caso precisasse para fazer algo, o que era o seu
caso, Teve que procurar bastante pelo seu carregador, que era uma das únicas
coisas que ninguém sabia por onde andava, e ele não poderia usar um notebook
descarregado. A pequena bagunça que já havia se instalado no quarto ficou ainda
maior, porque com o tempo Danilo foi começando a perder a paciência de procurar,
começando a ignorar que ali devia ser um quarto totalmente arrumado e limpo.
Mas após algumas horar procurando, Danilo achou o seu carregador atrás do
guarda-roupas de Thiago, que é um lugar que ninguém nunca pensaria encontrar um
carregador.
Eles passaram o resto do dia inteiro pesquisando sobre o
assunto, e de quando em quando um alertava ao outro sobre algo importante que
havia descoberto, ou uma das vítimas que tenha saído com vida que tenha falado
algo interessante sobre, naquele ponto qualquer fator era crucial para eles. Os
semblantes de cansaço estavam deixando claro que eles haviam passado o dia
esforçando-se, mas a pior das notícias é que mesmo com tudo aquilo eles não
acharam nada de útil, nada que fosse realmente importante para eles. Tudo que
haviam pesquisado apenas evidenciavam que aquilo deveria ter sido causado por
alguém, mas nada que falasse quem pudesse ter sido o causador daquela tragédia,
o que deixava os dois frustrados depois de tanto esforço. Mas passado um pouco
a frustração, eles voltaram a pesquisar freneticamente, sem sequer parar para
dormir ou sequer cochilar. Eles passaram a noite inteira pesquisando, buscando
novos sites que pudessem falar algo que eles já não sabiam, tentaram entrar em
contato com alguma pessoa que houvesse presenciado o acontecimento, mas nada
disso foi o suficiente, pois, nenhuma dessas coisas deram resultado, eles
apenas perderam uma noite de sono procurando uma coisa na internet que eles não
conseguiram achar.
Após passarem
quase 24 horas pesquisando como loucos na internet, eles acabaram se rendendo
ao sono após um almoço que ambos julgaram “divino”, que havia sido feito pelo
pai de Thiago, que era cozinheiro de um grande restaurante da cidade, mas hoje
ele estava de folga e decidiu fazer um almoço diferente, como forma de
recompensar o esforço que os dois garotos haviam dado. Eles achavam que aquilo
era muito importante, e que se eles pudessem descobrir o verdadeiro culpado
daquilo, iriam ser considerados grandes heróis. Eles sabiam que haviam pessoas
da polícia muito mais preparadas que eles, e que eles teriam muita facilidade
naquele caso, mas nem por isto eles chegaram a pensar sequer um segundo em
desistir daquilo. Era como se o problema chamasse por eles, como se tivessem
enfeitiçado eles, e este era um feitiço do qual eles não conseguiam sair.
4 de outubro de 2003
- Assim que esta porta fechar,
fecha-se com ela também a minha vida e tudo que está nela. Não sou dramático,
apenas um pouco. Direi adeus á todos estes orixás que estão aqui em casa, e me
despedirei também de todos os cantos da casa que eu costumava ficar, a fim de
não deixar esta vida sem me despedir de tudo que importa para mim. Não olhe
para mim com estes olhares de pena, eu também sinto apenas pena da minha
pessoa, e acho que isto é tudo, tudo é isto. Certa vez eu fiquei com uma
vontade parecida com esta, mas era apenas besteira de criança, pelo fato de que
minha mãe não queria me dar o brinquedo que eu queria, mas agora é muito
diferente, não acho que vou conseguir suportar isto assim tão fácil, então é
melhor acabar com isto de uma vez, não acha?. Vou dar adeus para todos os
sonhos que um dia eu já tive, e para todos os objetivos de pessoa iludida, e
além de que também tenho que dar adeus para as minhas diversas tentativas de fazer
algo que ninguém nunca fez, e me despedir da esperança que nunca tinha me
deixado. – Falou Danilo, enquanto olhava fixamente para Thiago.
-Se você realmente
quiser fazer isto, uma pessoa como eu não seria capaz de fazer nada para te
impedir. Acho que você se importa demais com todos os detalhes, Danilo. Você
deveria apenas não se preocupar com tudo isto, deixar para lá e pensar em
qualquer outra coisa. Ás vezes me sinto alheio ao mundo, entende?. Não que isto
vá te servir de algo, mas eu poderia te mostrar umas histórias que eu escrevi
tempos atrás, que fala um pouco sobre este sentimento. Tenha dó de si mesmo,
Danilo. Aquela garota nem valia tanto assim, e além disto, você nunca viu ela
pessoalmente, então porque ficar com saudades de algo que você sequer viu ou
tocou?. Você vai perder algo muito precioso que é a sua vida, por algo que
sequer vale a pena.
O quarto de Danilo estava totalmente escuro. Eles olhavam
vagamente para o teto enquanto conversavam, como se vissem algo de realmente
interessante ali, naquele lugar aonde só se via uma única cor, uniformemente
distribuída pela casa. Havia um pouco de vidro quebrado no chão, encostados na
parede, bonecos estes que Danilo costumava falar que era a raça humana em seu
princípio, quando o que ele acreditava ser o criador fez os humanos. Danilo
dizia que os humanos foram feitos do vidro, e que isto explicava o fato deles
serem tão frágeis, tão descartáveis, e que tudo que faziam era refletir o que
estava perto deles. Havia um mapa do brasil colado na parede, em frente a cama,
que Danilo costumava ficar observando quando não tinha nada para fazer, era uma
espécie de passatempo para ele, uma coisa estranha que mesmo sem fazer muito
sentido, acaba te deixando bem de certa forma.
Eles estavam um pouco cansados de estarem apenas
deitados, olhando para o teto, então Danilo surgiu com a ideia de que eles
poderiam sair um pouco, para andar sem destino por ai. Thiago hesitou um pouco
antes de aceitar a ideia, pois ele nunca tinha andado pelas ruas de noite,
achava que tudo era muito perigoso por ali, e que iria acontecer alguma coisa
ruim se ele saísse. Eles foram então para a Rua do Sol, que nada mais era que
uma rua perto da casa de Danilo, em que você poderia ver o sol nascendo, se
você estiver na rua no momento em que ele estiver surgindo. Era um Lugar que
Danilo costumava ir quando se cansava de ficar o dia inteiro no computador, o
que era um pouco raro, mas ele acabava sempre gostando de ter ido. Era uma rua
normal como todas as outras ruas, exceto por todas as suas casas antigas que
até hoje são bem conservadas, ou pelos antigos postes que não possuem nenhum
sinal de vandalismo, o que era muito difícil de se ver em um tempo aonde os
vândalos atacavam quase todos os bens públicos. Havia uma casa nesta rua que se
destacava um pouco das outras, não pelo fato de ser mais bonita que as outras,
ou mais antiga, mas ela se destacava por uma simples frase que estava escrita
no seu muro. Era a principal atração daquela rua para Danilo, pois, ele nunca
havia visto o nascer do sol daquela rua, pelo fato de que ele estudava de
manhã, e precisava dormir para ir ter mais um dia torturante na sua escola. A
frase havia sido escrita com cerâmica, uma cerâmica vermelha que já estava
bastante desgastada por causa do tempo, mas nunca havia deixado de ter seu
brilho. A frase era a seguinte: “Você já viveu hoje?”. Aquela frase deixa
Danilo muito reflexivo, pois ele começava a pensar se ele estava realmente
vivendo, ou se estava apenas ocupando um lugar no tempo e no espaço, como
tantas outras pessoas. Mas toda essa reflexão nunca o levou a conclusão
nenhuma, só alimentou mais outras reflexões que alimentaram mais outras
reflexões, como uma hidra que tendo sua cabeça cortada, recebe duas novas
cabeças no lugar aonde havia apenas uma. Aquela frase parecia que causado um
grande impacto em Thiago, que permanecia em silêncio desde o momento em que a
leu. Ele olhava para o céu, olhava para as casas da rua, para a quase
insignificante quantidade de lixo que havia naquela rua, e depois voltava o olhar
novamente para a frase, buscando entender a real mensagem que ela queria
passar, ou ao menos uma resposta para ela, mas isto ele julgava praticamente
impossível.
-De modo lógico – Disse
Thiago – Nós vivemos sim hoje, pois não estamos mortos, o que caracteriza a
vida. Mas se formos pensar de outro modo, poderemos pensar que a frase se trata
de perguntar se nós nos sentimos vivos hoje, ou então se nós aproveitamos a
vida. Não estou conseguindo refletir muito bem sobre isto, minha mente meio que
está em um lugar distante. -
Eles apenas ficaram ali olhando aquela frase, cada um nos
seus próprios pensamentos, cada um no seu próprio mundo particular, tão
distintos e tão parecidos. Era tarde para as pessoas, mas muito cedo para cada
um dos dois, e foi nesse momento tão silencioso que todas as palavras não ditas
pareceram começar a fazer sentido. Eles haviam apenas lido uma frase, nada que
fosse totalmente fora do comum, mas apenas isto serviu para mostrar que a vida
é curta, e que se você não aproveitar, você não estará vivendo. Danilo então
olhou para Thiago, sorrindo, como quem estava falando: “eu finalmente entendi”,
enquanto Thiago fez o mesmo, no mesmo instante. Ficaram ali os dois, numa rua
qualquer, enquanto tudo começava a fazer sentido.
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