sábado, 17 de dezembro de 2016


Capítulo Quatro – Relações



13 de Abril de 2005

            Danilo chegava em casa extremamente cansado de mais um dia de aula na escola “ENSN”, que muitos julgavam ser a melhor escola da cidade, e que seu método de ensino era um dos melhores da região. Danilo achava aquilo tudo uma idiotice, porque para ele não havia uma escola que fosse melhor que a outra, o que diferenciava na verdade era apenas os alunos que estavam em uma ou em outra. Escolas de grande porte como a que ele estudava, atraia mais pessoas das classes mais altas da sociedade, e em consequência, alguns dos melhores alunos que uma escola poderia ter. Em contrapartida, a escola pública em que Thiago estudava não possuía muitos alunos realmente interessados em estudar. Isto via-se pessoas passando o dia inteiro jogando bola numa pequena quadra que tinha nos fundos da escola, após passar para um pátio um pouco empoeirada, e alguns matos que tinham no caminho de terra que havia entre o final do pátio e a entrada da quadra. Mas, não devemos generalizar as coisas, o caro leitor não deve querer saber muito sobre estas coisas, então vamos voltar para o que realmente interessa. Danilo costumava chegar sempre chateado da escola, pois além de não possuir sequer alguma pessoa para conversar no colégio, ele odiava com todas as forças as pessoas que se achavam superior ás outras de alguma forma, e sempre que acontecia de alguma dessas pessoas fazerem mal a alguma outra por causa disto, ele sempre ia defender a vítima da situação. Além disto, o fato de que BDG ainda não tivesse falado com ele, acabava deixando ele ainda pior do que ele já estava, mesmo que isto o afetasse um pouco menos do que afetava antes, mas ainda afetava. Estes fatores juntados com o sono que ele chegava todo dia em casa, proporcionava um momento muito ruim entre ele e a mãe dele todo dia, mas ele sabia internamente que a culpa era toda dele, pois, era apenas ele que chegava estressado, e a sua mãe não tinha a ver com nada, mas acabava sendo vítima dele. Logo que ele chegava em casa, jogava sua bolsa em cima do sofá (que a mãe dele sempre deixava arrumada, possuindo um certo ciúme daquele móvel) e ia diretamente para o seu quarto, sem sequer dar boa tarde para a sua mãe, que estava quase sempre cozinhando o almoço no horário que ele chega. Ela vai, para o filho, e lhe pergunta como foi a escola, ou quando ele aparentava estar chateado com alguma coisa, ela perguntava o que havia acontecido. Era tudo em vão, ele sempre ignorava ela e subia rapidamente para o seu quarto, como se a sua mãe sequer existisse, ou como se ele não se importasse. Mas aquele dia as coisas estavam um pouco diferentes do normal. Era como se o dia tivesse começado com o intuito de terminar ruim, ao menos para Danilo. Logo que entrou em casa, testemunhou uma das cenas mais terríveis da sua vida, algo que certamente iria ficar remoendo bastante em sua mente, até a sua morte.

 Logo que Danilo abriu a velha porta de madeira empoeirada da sua casa, viu sua mãe vestida com um lindo vestido de seda azul, que ela costumava usar para ir em festas, um chapéu de cowboy que seu pai tinha usado no dia que havia conhecido ela, e estava descalça, deixando seus pés brancos e nus tocarem o tapete cinza que havia na sala entre os dois sofás. O resto do seu corpo estava sobre o sofá. Danilo começou a chorar, não entendia o porquê da sua mãe estar segurando uma faca totalmente cheia de sangue, talvez ela tivesse cortado uma galinha e tivesse ido dormir no sofá, talvez ela apenas tivesse molhado um pouco de ketchup para dar um gosto novo, mas ele internamente sabia o que havia acontecido, mas rejeitava totalmente a ideia. Chegou a rejeitar tanto, que correu com suas pernas brancas e finas até o encontro da sua mãe, que estava totalmente ensanguentada, e não era sangue de galinha. Suas lágrimas caiam no rosto agora pálido da sua mãe, cujos olhos ainda estavam abertos, a olhar para o vazio. Danilo não poderia acreditar naquilo que estava acontecendo, não conseguia entender o porquê de sem nenhum motivo específico a sua mãe ter cometido um ato de tamanha crueldade, e de tamanho egoísmo. Danilo não conseguia pensar em fazer nada além de chorar e chorar, a dor consumia ele por completo, a raiva de não ter podido fazer nada, talvez, fosse ainda pior que a dor. Ele não conseguira perceber que a mãe poderia eventualmente fazer algo como tirar a própria vida, mas como poderia perceber isto, se ela sempre estava com um belo sorriso no rosto, como se sempre estivesse feliz com tudo?. Mas e os motivos que tinham levado ela a fazer aquilo?, porque diabos ela havia tirado a própria vida?, aonde estaria seu pai agora?, que não estava lá para ajudar a sua mãe quando ela mais precisava da ajuda de alguém. Ele se culpava agora por ter sido um filho muito distante, culpava-se também por todas as vezes que ele chegara em casa e não tratara ela de forma decente, pelo fato de sempre estar estressado. Mas que se danasse o stress!, a pessoa mais importante da vida dele não possuía mais vida alguma, e ele estava totalmente perdido em um labirinto de sofrimento, o qual ele não iria conseguir tão cedo. Ele abraçava fortemente o corpo já sem vida da sua mãe, na tentativa de talvez trazer ele de volta a vida com o calor do seu corpo, mas tudo aquilo era inútil agora, ela não iria voltar nunca mais.

            Danilo pensou em se suicidar também, na verdade, chegou a pegar a faca que estava na mão da sua falecida mãe e colocar ela perto do seu peito, pretendendo realmente fazer aquilo, pois, se existisse um pós-morte ele iria para o mesmo lugar para qual a sua mãe foi. Mas na hora que ele ia dar o golpe final na sua vida, ele repara que havia uma carta repousando em cima da mesinha de centro, sob a qual ele encostava o seu cotovelo esquerdo. Pegou a carta e leu a seguinte mensagem:

            “Primeiramente eu quero pedir desculpas para todos, realmente sinto muito por esta decisão que acabei de tomar. Sei que para as pessoas isto foi um ato de egoísmo da minha parte, pois eu sei que estarei privando vocês da minha presença até o resto da vida de vocês, mas isto foi algo que eu definitivamente tive que fazer. Não suportava mais esta minha vida nem por mais um segundo, eu realmente não suportava mais nada disso. Sempre fui uma mulher muito solitária, mas acho que de uns tempos para cá, as coisas foram apenas piorando para mim, pois acho que foi me afastando cada vez mais e mais de todas as coisas, e de tudo. Todas as coisas que eu ainda queria fazer, eram simplesmente loucuras absurdas que eu realmente não teria coragem de fazer. Coisas como: Andar pelada pela rua, poder assediar um homem qualquer por ai, poder falar com gírias sem parecer que sou uma idiota, ah qual foi?. Eu apenas queria não ter que representar o mesmo papel para todas as pessoas, coisa que sempre me deixou muito enjoada desta minha vida. Olhe lá a joana!, tão boa mulher ela é para o marido, tão boa mãe ela é para o filho, faz tudo tão perfeitamente!!. Eu estava realmente enojada disto tudo, eu apenas queria eu mesma, não queria ser igual a todas as outras mulheres do mundo. Eu era tão viva quando adolescente, mas quando cresci eu acho que fui restringida a fazer o que os outros queriam que eu fizessem, mas hoje isto termina. TERMINA FINALMENTE O MONOPÓLIO QUE TODAS AS OUTRAS PESSOAS TINHAM SOBRE MIM!. QUEBRA-SE AGORA ESTA COLEIRA QUE SEMPRE ESTEVE PRESA NO MEU PESCOSO, MAS NUNCA TIVE CORAGEM DE TIRAR. VOCES PODEM VIVER O QUANTO QUISER, MAS EU ESTAREI PARA SEMPRE AONDE EU SEMPRE QUIS ESTAR, CONFORTAVELMENTE MORTA!.

Assinado: Joana Barcellos”

17 de Outubro de 2003

            Era um sábado como qualquer outro para todas as pessoas, mas não para Danilo. Seu amigo Thiago estava completando 16 anos naquele dia, e havia o convidado para passar o final de semana na sua casa pela primeira vez, o que deixou Danilo bastante ansioso, pois nunca havia dormido na casa de nenhum outro amigo, até porque tirando os amigos virtuais, Danilo não havia tido mais ninguém para conversar fora os seus pais, e de vez em quando os seus tios. Sua mãe era bastante preocupada com todas as coisas que eventualmente poderiam acontecer com ele, o que fazia com que ela não parasse de pedir vários detalhes sobre a casa de Thiago, ainda mais porque Danilo não era lá um daqueles caras que possuía muitos amigos, e passar o final de semana na casa de um menino que ela mal conhecia parecia uma ideia a aterrorizante que ela estava decidida a combater.

- Mas filho, você vai pra casa de um menino que eu nem conheço direito!. Não faça isso com a sua mãezinha, vou morrer de preocupação até você chegar. – Falou Joana, com a voz doce e suava de mãe preocupada.

-Eu vou, e você não vai me impedir de ir passar o final de semana lá. A gente já tinha conversado sobre isso, então não me venha com essa de “não vá” porque daqui a pouco eu vou estar indo. – Disse Danilo, enquanto terminava de se arrumar para sair.

-Mas filho... – Disse joana, deixado escapar um longo suspiro no final.

            Os longos cabelos louros de Joana balançavam um pouco com o vento tímido que passava pela porta do quarto de Danilo, seus olhos castanhos olhavam fixamente para o filho enquanto ele estava arrumando-se para sair. Ela sentiu vontade de ficar ali até ele desistir daquela ideia, não queria que ele passasse muito tempo longe dela, pois, julgava não achar possível ficar tanto tempo sem seu filho. Ela sabia que aquilo tudo era besteira dela e que não precisava ficar tão preocupada assim, até porque ela deveria estar feliz e apoiando totalmente o fato dele ter arrumado um amigo de verdade que o chamou para a festa de aniversário, até porque ela sabia que isto era uma coisa muito rara. Danilo então levantou-se e ficou parado na frente dela por um certo tempo como se falasse: “você não vai sair?”. Joana pareceu entender o recado, mas não deu a mínima para aquilo, ainda não estava conseguindo aceitar aquilo, não queria “perder” seu filho para pessoas que poderiam tratar ele ruim ou fazer qualquer maldade com ele, mesmo que ele já fosse um adolescente de 15 anos e precisasse ter um pouco mais de liberdade para sair para os lugares. Danilo subitamente abraçou sua mãe, deixando ela muito confusa por não entender o significado daquilo. Passou alguns segundos abraçado, beijou a testa da mãe e disse:

-Não se preocupe, mãe. Eu prometo que irei voltar a salvo. Ficarei com saudades de você também. – Disse Danilo, com uma voz meiga.

            Danilo então passou pela sua mãe e se encaminhou para a porta da sua casa, aonde Thiago já estava ansioso a sua espera. Ele olhou para trás antes de sair de casa, apenas para ter plena certeza de que a sua querida mãe não iria ficar chateada com ele, mas como ela sequer estava por lá, ele apenas continuo o seu caminho rumo o seu amigo.

            Danilo cumprimentou o seu amigo com um abraço caloroso e o aperto de mão que costumavam dar quando eles se encontravam. Thiago estava usando uma camisa regata branca com o símbolo de uma âncora bem na parte central da camisa, e uma bermuda preta com apenas um bolso. Danilo sabia que aquela âncora na camisa do amigo se devia a grande admiração que este tinha por barcos, sendo estes um dos temas mais abordados nos textos que ele escrevia para o fórum dos escritores, rendendo o apelido de “Escritor dos Barcos”, coisa que ele gostava bastante pelo fato de ser bastante verdade. Enquanto os dois andavam, Thiago tirou um papel de caderno do único bolso que tinha em sua bermuda, desdobrou-o e começou a ler para Danilo em voz alta:

- “Querido barco, tu que és o grande sábio de todos os navegantes marítimos, e que nunca erraste em tuas palavras não ditas, diga-me o porquê de tudo isto. Barco que navega entre as águas sujas do meu coração, diz para mim tudo que eu preciso saber para viver, já não posso viver em eterna espera. Barco que anda tranquilamente por todo lugar, porque não para apenas um instante e fala comigo?, eu juro que sou um cara legal. Barco silencioso, tão silencioso que chega a parecer que está gritando comigo para que eu vá embora, mas tu sabes que eu não irei. Barco que tanto amo, porque não deixas esta tua face sem boca e fala comigo, acho que não seria algo tão difícil para você que tudo pode. Querido barco, sei que nunca irás falar comigo como eu sempre sonhei que faria, mas eu não posso esconder esta tristeza que agora domina totalmente o meu ser. Querido barco, quero que saiba que você é importante para mim, e não deixarei de te admirar só por causa deste fato enfadonho. Embarcarei na minha vida, quando eu deixar o cais e embarcar em ti.” – Leu Thiago, olhando com um olhar esperançoso para seu amigo, esperando que ele pudesse dar uma opinião sobre o seu texto:

- Isto parece ser metáfora, mano – Disse Danilo, pegando o papel das mãos de Thiago para dar uma averiguada em algumas coisas que ele provavelmente não tinha entendido.

- E qual dos meus textos não são cobertos de metáfora? – Riu Thiago, com um sorriso despreocupado.

- Este ficou muito bonito, mas falando nisso, você vai participar daquele concurso que vai ter na cidade semana que vem? – Perguntou Danilo, com uma expressão curiosa.

- Eu ainda estou pensando nisso ai, acho que não estou tão pronto, sabe?. Deve haver tantas outras pessoas melhores que eu por ai, provavelmente não irei passar da primeira fase – Thiago riu timidamente quando falou aquilo, seu olhar que antes tinha como destino o seu amigo, estava agora fixado nos seus pés.

- Você sabe que deveria se inscrever neste concurso, cara. Você é muito bom!. Mas mudando um pouco de assunto, adivinha quem voltou a falar comigo?.  – Falou Danilo

-Ah!!, isto explica esse sorriso bobo que você está dando hoje para qualquer besteira – Riu Thiago, que agora guardava o papel de volta no seu bolso, e pegava outro.

- Acho que não há como ficar triste em um dia como estes!. – Disse Danilo, apontando para o céu que estava quase totalmente sem nuvens.

- “Não há motivos para tanta agonia em uma garota tão calma. Olhe para os meus olhos, querida amiga, não vê que toda esta tristeza que agora preenche teu coração, nada tem de tão complicada como uma equação matemática, mas a simplicidade das coisas que nós fazemos no dia-a-dia, como levantar da cama todo dia. Não há dificuldades quando nós mesmos não impomos elas a nós mesmos, e você que sempre foi tão forte para estas coisas do coração, agora desmancha-se em uma dor que você não precisava estar sentindo, e você sabe disso. Querida amiga, levante a sua cabeça e comece a pensar no que você me disse no dia em que eu estava sentindo esta mesma dor. Parece hipocrisia de nós dois, mas acho que isto acontece frequentemente com as pessoas, embora isto não possa ser uma desculpa para viver em hipocrisia. Seja a garota forte que você sempre foi, não é uma besteira como esta que deveria te deixar neste estado, mas algo realmente. O mundo é um lugar sujo e sombrio, mas ele não é totalmente assim, e você sabe disto. Há coisas boas no mundo, nós só temos que parar de olhar apenas para as coisas ruins, e foi você que me disse isto. Querida amiga, eu sempre estarei aqui contigo”. – Leu Thiago, voltando a olhar do mesmo jeito que olhou quando leu o primeiro texto.

- Isto ficou incrível, cara!. – Falou Danilo, maravilhado com aquele texto.

- Eu estou pensando em competir com este. Mas mudando de assunto, o que vocês falaram?. – Perguntou Thiago.

- Ela pediu desculpas por ter sumido de repente, coisa que eu ainda não desculpei totalmente, sabe?. Ela me contou umas coisas sobre ela que eu não sabia, sobre a convivência entre a madrasta dela e o pai. É tipo horrível, sabe?. Ele proibiu ela de usar o computador por um tempo, mas não me disse o porquê disto, mas acho que deve ter sido algo muito ruim para ela não querer ter me contado, mano. – Explicou Danilo, movendo as mãos enquanto falava.

- Cara, isto é horrível. Minha mãe fugiu de casa depois de umas coisas eu meu pai fez a ela, e desde então tem sido apenas eu e meu pai em casa, por sorte eu não tenho uma madrasta, cara. Você não deve esperar que ela vá te contar estas coisas tão cedo, mas acho que deveria procurar entender o lado dela e parar com isto de não querer desculpar ela, pois, ela simplesmente não podia fazer nada contra, cara!. – Falou Thiago, parecendo ter ficado um pouco irritado.

- Eu sei disso, mano. Eu estou procurando não me importar muito com isto, mas eu meio que fiquei mal por muito tempo, achando que ela simplesmente tinha me abandonado. Além disto, ela disse que viria aqui em Joao Pessoa passar alguns dias comigo, espero que dê tudo certo nisto. Acho que ela está querendo compensar o fato de ter passado tanto tempo fora. Eu estou muito ansioso, mano. Vai ser a primeira vez que vou ver ela pessoalmente, quero que tudo aconteça de modo perfeito – Disse Danilo, demonstrando muita preocupação.

- Isto é muito bom, cara!. Depois a gente fala mais sobre isto, nós acabamos de chegar na minha casa. – Falou Thiago, apontando para sua casa.

14 de Abril de 2005

            No velório de Joana via-se apenas 5 pessoas, umas apenas de cabeça baixa perto do caixão de madeira escura em que repousava o corpo da defunta, já outros olhavam fixamente para o rosto pálido e sem vida de uma mulher que provavelmente teria deixado várias lembranças nos que ali a velavam. O pai de Danilo estava totalmente embragado, mas estava se controlando para não estragar o funeral de sua amada esposa, embora fosse muito difícil permanecer calmo quando a mulher que ele amava com todas as suas forças, partiu da sua vida de uma forma tão trágica, e sem dar uma explicação decente para ele. Ela havia o abandonado, era isto em que ele acreditava. Ela não conseguiu suportar toda aquela pressão que havia sobre ela, e que o fato de ter abandonado todos os seus sonhos para poder cuidar do marido e do filho que havia acabado de nascer na época em que ela tomou essa decisão, era algo que perturbava totalmente o seu coração, e que seria uma ferida que iria arder até o ultimo segundo da sua vida. Caetano não conseguia acreditar em tudo aquilo, nem mesmo ali no velório, olhando para os cabelos da sua amada Joana e dizendo para si mesmo que não conseguiria mais viver sem acariciar aqueles lindos cabelos louros, ou o a sua bela pele branca, ou até mesmo falar palavras carinhosas quando ela acordasse de manhã para fazer o café, porque ela não iria mais acordar, nunca mais. Danilo então se levantou para dar um abraço no pai, que não estava nada bem, além de estar alcoolizado, ele havia começado a chorar copiosamente. Danilo resolveu então dar um abraço no seu pai, que estava realmente precisando, mas foi surpreendido por uma curta palavra:

-Não- Disse Joaquin, afastando seu filho com a mão cheirando a álcool.

-Mas pai... – Disse Danilo, sem forças para terminar de falar.

-Olhe, pegue isto e vá ler, espero que você não me culpe por nada, mas eu já sabia que ela poderia fazer alguma coisa deste tipo, eu não tenho culpa nenhuma disto. – Disse Joaquim, enquanto pegava uma carta no bolso do seu terno preto e entregava a seu filho.

-Pai... – Disse Danilo, pegando a carta e dirigindo-se para o lado de fora da funerária para poder ler aquela carta.

 Quebre o meu coração, deixe-me voar livremente por um lugar aonde eu realmente não quero estar, talvez, até possa enxergar o valor real das coisas que tenho perdido pouco-a-pouco. Nós não percebemos, mas todo dia nos é arrancado um pedaço, ou adicionado um pedaço, mas isto é para aqueles que possuem sorte, não para azarados como eu. Salve-me, o mundo já cansou de dar voltas e mais voltas esperando que você venha até aqui me tirar deste lugar tão escuro e tão sombrio, que acho que até mesmo o pior dos espíritos sequer passa por perto. A apatia que me cobria e me confortava, já não é mais tão forte, e com o tempo ela vai dando espaço para um inimigo que á tempos eu não tenho visto, a depressão. Esqueça o que de mais importante você tenha para fazer, pegue a chave e abra esta porta que há entre mim e a felicidade, destranque todo este amor que eu sei que ainda está em mim, por favor, faça isto rápido, não sei se aguentarei muito tempo tendo que viver de minhas ilusões, o mundo já me puniu bastante por fingir. Acho que este é meu adeus final, espero que nunca mais eu tenha que ver essa pessoa que vejo sempre que estou na frente de um espelho, esta pessoa que tanto me assusta e tanto me dá pena, essa pessoa que está tão perdida que nem mesmo sabe por onde começou, essa pessoa que parece mais um condenado do que um civil livre e liberto. Olhe bem, eu tenho tentado há um bom tempo sair daqui com minhas próprias forças, mas tudo isto tem sido em vão, sequer consigo mais enxergar a tal da luz no fim do túnel, acho que pouco-a-pouco estou perdendo a minha esperança, e como a esperança é a última que morre, acho que eu estou muito perto de acabar com esta minha apática existência, que é tão insignificante como um graveto que está na segurança de uma árvore, mas nunca ousou sair de lá, porque ele nunca quis correr o perigo que corremos no mundo afora. Acho que os ladrões não impõem tanto medo quando nós mesmos, acho que somos nossos próprios inimigos, e não adianta fugir, isto é uma realidade que sempre vai existir, uma verdade que nunca mudará, não importa o quanto o tempo mude. “


Nenhum comentário:

Postar um comentário