sábado, 17 de dezembro de 2016


Capítulo Cinco – Idas e Voltas



17 de Outubro de 2003

            Era uma casa pequena vermelha, com uma porta de madeira que possuía o número 65, escrito aparentemente com um estilete ou algo parecido. Seu tapete de boas-vindas era novo e muito bonito, feito nas cores preto e branco, ele dava um certo toque de beleza a mais naquela simplicidade enorme que banhava totalmente aquela casa, desde a velha lamparina que se encontrava na diagonal direita da porta de madeira, que se encontrava agora apagara, até a pequena caixa de correios que tinha no quintal. O quintal da casa era grande, talvez umas duas vezes maior que a própria casa, sendo que esta estava no centro do terreno. A estrada de pedras que ia desde a calçada até a porta, possuía rosas e tulipas na sua lateral, o que se estendia quase até a porta. A grama do quintal era incrivelmente verde e muito bem aparada, Thiago dizia que o seu pai passava a maior parte do tempo cuidando do quintal da casa, pois julgava que essa era a verdadeira beleza em uma casa, mesmo que todas as outras casas fossem extremamente diferentes da dele, ele defendia-se dizendo que as outras pessoa que não possuíam bom gosto. Era situada no Bessa, quase em frente à praia, além de ficar perto de um dos melhores supermercados de toda a João Pessoa. Thiago costumava dizer que o pai dele era uma daqueles espécies de pessoas que sentia prazer nas coisas simples da vida, e que se pudesse ir morar em um ugar ainda mais simples do que aquele, ele certamente estaria disposto a pensar no caso, porque não iria largar tão fácil das suas caminhadas matinais na praia. Danilo ficou um bom tempo admirando a parte da frente do quintal daquela casa, que só possuía uma cerca de madeira, que era mais para delimitar o terreno do que para proteger a casa. Aquela área não era perigosa, o único assalto que havia sido registrado nos últimos 3 anos naquele lugar, havia sido um senhor de uma certa idade que havia furtado algumas coisas no supermercado ali perto, mas depois dele ter explicado a situação da sua família, além de não ser preso, recebeu ajuda dos moradores daquela localidade e do dono do supermercado. Era o lugar em que todas as pessoas sonhavam em morar. Passando pela estrada de pedras, Danilo pensava apenas em como seria encontrar com aquela menina por quem tinha se apaixonado tanto, pela primeira vez.

-Talvez eu deva comprar uma rosa ou uma tulipa, para que ela tenha uma boa primeira impressão minha, mas eu nem sei se ela gosta de rosas. Talvez eu compre uma roupa nova apenas para ver ela, mas acho que minha mãe não deixaria eu fazer isto. Meu deu!, oque diabos devo fazer? – Pensava Danilo.

            Ao entrar na casa de Thiago, Danilo reparou que era tudo realmente muito simples e ao mesmo tempo perfeitamente organizado naquela casa. Era tão organizado que chegava a dar medo em quem não tinha costume de ver as coisas quase que milimetricamente arrumadas. Umas das primeiras coisas que ele notou foram os discos que ficavam dentro de uma estante com porta de vidro, que ficava ao lado da televisão. Todos os artistas eram organizados por ordem alfabética, e os álbuns eram organizados por ordem cronológica de lançamento. Alguns aparentavam ser bem velhos, mas estavam completamente conservados, como se alguém cuidasse de todos os discos regularmente, o que realmente acontecia. Outra coisa eram o sofá de canto, que parecia ter chegado da loja neste exato instante e a almofadas totalmente organizadas. A casa tinha um leve cheiro de camomila, o que se devia ao fato de ser o chá preferido do pai de Thiago. Haviam alguns quadros pequenos pendurados na parede totalmente branca da casa, alguns eram até conhecidos, como a última ceia e Monalisa do Leonardo da Vinci, que era o pintor favorito do pai de Thiago. A casa era inteiramente moldada ao pai de Thiago, todos os pequenos detalhes daquela casa diziam respeito a ele, porque era a casa que ele sonhava em ter desde a adolescência, sonho este que realizou completamente. A sala não possuía muitas coisas: eram apenas o sofá de canto cinza, com suas almofadas de feltro na mesma cor do sofá, além da pequena televisão preta que ficava em cima de um raque marrom, e a estante. Ao entrar no quarto que Thiago dividia com o pai, Danilo viu que tudo era como ele esperava que fosse. Havia uma pequena cômoda ao lado da beliche aonde eles dormiam, em que Thiago guardava tudo que escrevia por ordem cronológica, além de separar todos os textos por gênero e tema, ou seja, as poesias sobre amor estavam separadas das poesias sobre paisagens, assim como os textos sobre barcos, estavam separados dos textos sobre a vida. Era tudo tão organizado, que Danilo teve uma leve vontade de ir embora, pois achou que havia chegado em uma casa habitada por dois maníacos, mas acabou deixando esta ideia de lado e tentando se acostumar com aquilo tudo. Tinha um grande guarda roupas cinza, que a esta altura o leitor já deve saber que é a cor preferida do pai de Thiago. As roupas de Thiago eram organizadas entre roupas de sair e roupas de ficar em casa, e estavam empilhadas de acordo com a frequência que ele costumava usar as roupas, ou seja, as que ele usava mais no dia-a-dia, ficavam em cima das que ele não costumava usar muito. Danilo então sentou-se calmamente na beliche de baixa, estando claramente cansado da longa caminhada.

-Como você aguenta toda essa organização, cara?. – Perguntou Danilo.

-Ah, eu gosto de ser uma pessoa organizada, acho que eu tenho um pai muito organizado em tudo, então, acabo tendo que ser do mesmo jeito. – Respondeu Thiago, dando uma risada leve no final.

-Eu percebi isto!. – Disse Danilo, em um tom irônico, enquanto tirava um chiclete do bolso menor da bolsa em que estava trazendo as roupas.

-Bem, enquanto você vai ficando mais confortável ai, eu acho que nós deveríamos ouvir alguma coisa que preste. Ah, e eu quero saber mais sobre o que aconteceu com aquela menina. – Falou Thiago, dirigindo-se para a sala.

            Enquanto Danilo arrumava suas coisas, uma música começa a tocar bem alto e aparentava estar vindo da sala. Era uma música lenta e com uma bela melodia, além de ter uma incrível letra. Até mesmo Danilo que não gostava muito de músicas nacionais, ficou intrigado quando ouviu aquela música.

-Que música é esta? – Perguntou Danilo, enquanto terminava de ajeitar as roupas nas gavetas da beliche.

-Ah, é uma bela canção do Chico... – Disse Thiago – Acho que um cara tão antinacionalista como você não conhece nem mesmo este músico. Brincadeira!, embora um pouco verdade. – finalizou.

-Você sabe que não é, mano. Chico Buarque é um dos melhores músicos do Brasil, em minha humilde opinião. Mas é muito bonita mesmo, qual o nome dela? – Perguntou Danilo.

-Música boa. Brincadeira de novo. Hoje estou meio brincalhão com tudo. Se chama valsa brasileira. – Disse Thiago, rindo bastante com suas próprias piadas.

            Danilo que não estava achando aquelas coisa muito engraçadas, logo tratou de deitar-se na cama e tentar se concentrar nas letras das músicas que estavam passando. Era uma das coisas que ele gostava muito de fazer, porque dava uma certa quietude na sua alma que era sempre tão agitada com todas as coisas e que parecia também uma porta para os grandes pensamentos.

-Uma das bandas que mais fazem você pensar nas coisas da vida são os Beatles. De alguma forma bem estranha as letras deles sempre me fazem pensar em coisas bem aleatórias enquanto eu os escuto, mas mesmo que isto seja bem estranho, é algo eu sinceramente adoro, mano. Eu tenho escutado aquela música deles, Girl, e pensado muito em Beatriz. Eu sei que eu não devo ficar ensaiando as coisas na minha mente, mesmo sabendo que talvez tudo saia errado e eu acabe sofrendo no final de tudo, mas eu não consigo evitar de parar de pensar nela e em como as coisas podem dar certo entre nós dois. Eu acho que a música que eu escolheria para agora, seria Don’t Let Me Down, completamente. Eu apenas quero que ela não me abandone, entende?. Eu gosto muito dela e acho que ela gosta um pouco de mim. Ela é tão incrível em tudo que faz... – Disse Danilo, fitando a beliche de cima.

-Legal, cara. – Disse Thiago, se dirigindo para a sala.

            Danilo ficou sem entender nada do que estava acontecendo. Porque a única pessoa a quem ele contava tudo e que sempre o ouvia e falava com ele sobre tudo, do nada agiu assim?. Havia alguma coisa de errado, embora fosse estranho isto ter acontecido tão de repente, porque até instantes atrás ele estava completamente normal. Danilo então decidiu levantar-se e ir ver o que estava acontecendo com o seu amigo, deveria ser algo realmente grave, pois, era muito difícil ver ele daquele jeito. Chegando na sala, viu algo com que ficou terrivelmente chocado. Thiago estava em pé com o seu rosto levemente descansado na porta e suas mãos a esmurravam levemente, mas nada que fosse machucar. Se você parasse um pouco para reparar, ele repetia continuamente a mesma frase: “Que droga”, enquanto as lágrimas escorriam dos seus olhos que estavam praticamente encharcado. Danilo ficou sem reação ao ver aquela cena. Porque diabos ele estava acontecendo?. Mas a principal pergunta naquele momento era o que diabos ele iria fazer quanto aquilo. Ele certamente deveria ajudar o seu amigo numa situação tão complicada como essa, mas qualquer coisa que ele fizesse que não fosse realmente ajudar só iria piorar tudo, então Danilo permaneceu parado por um certo tempo, até ver que Thiago não iria melhorar tão cedo daquilo.

-O que aconteceu?. Porque estás chorando?, cara. – Perguntou Danilo, com um certo medo em fazer aquelas perguntas.

--Minha vida é uma porcaria, mano. Você nem faz ideia o quanto me faz mal fingir estar bem. – Disse Thiago.

                                                                                                          

16 de Abril de 2005

-Porque tudo é tão estranho como é? Porque todas as luzes obrigatoriamente precisam apagar antes de você ao menos se sentir iluminado por elas? Porque diabos as coisas precisam sempre ser tão péssimas para mim? Será que na hora do meu nascimento, o eterno Deus celestial olhou pra mim e disse que eu iria apenas me foder na vida? Cara, porque nada dá certo para mim? Porque tudo que eu tento é falho ou incompleto? Eu tento concertar as coisas, mas elas ousam permanecer intocadas ou apenas não querem ser concertadas, sem falar que ás vezes elas só permanecem sem fazer nada, e acaba desaparecendo como uma luz no fim do túnel, que eu podia ver até alguns dias atrás. Porque a chuva é tão insistente em levar tudo embora? –Perguntava-se Danilo, enquanto desenhava coisas aleatórias em seu velho caderno de matéria.

Danilo quase não dormia mais após a morte da sua mãe. Parte disso se devia a ter que aguentar seu pai sempre estar bêbado e sempre gritando consigo mesmo, sem conseguir se perdoar por ter deixado a sua mulher cometer suicídio. Em uma conversa um pouco após o velório, Otávio contou para Danilo que sempre soube que Joana tinha depressão, mas que após o nascimento do filho, nunca mais tinha apresentado quaisquer sintomas desta doença, e isto fez ele achar que havia sido curada, enquanto na verdade as coisa haviam apenas se amenizado. Danilo não suportava mais ver o seu pai daquela maneira, mas ao mesmo tempo nada podia fazer para tirar o pai daquela situação, porque estava tão ruim ou pior que ele, embora ele estivesse sempre sóbrio, ao contrário do pai. Então Danilo precisava aguentar o seu pai gritando coisa como: “Eu me odeio”, “A culpa é toda minha” e “Eu mereço morrer” o dia inteiro, enquanto não para de beber whisky, como uma forma de tentar amenizar toda a culpa que estava sentindo. Uma outra razão para a falta de sono que estava apoderando-se de Danilo, era o fato dele nunca conseguir parar de pensar em todas as coisas, e como o pai fazia, culpar-se totalmente pelo ocorrido. Uma coisa era coincidente no que os dois falavam, ambos culpavam-se por deixar Joana sempre sozinha em casa. Otávio viajava muito por causa do seu emprego de caminhoneiro, e quase nunca podia estar em casa com a sua esposa, enquanto Danilo ocultava-se por conta própria, quase sempre julgando não estar com muita vontade de conversar com a mãe, que não possuía ninguém para conversar, e a única coisa que fazia o dia inteiro era cuidar da sua casa e tricotar de vez em quando para passar o tempo.

            A casa estava sempre bagunçada, até porque Joana não estava mais ali para arrumar a enorme bagunça que os dois faziam, e porque os dois estavam ocupados demais para ao menos pensar em arrumar a casa. Parecia mais um lixeiro do que realmente uma casa, dando para sentir o cheiro ruim que dela saia, por uma pessoa que passasse perto da porta. Eram roupas espalhadas pelo chão, restos de comida congelada jogados na pia, além dos pratos sujos que provavelmente nunca seriam lavados. Poeira em todos os lugares e garrafas de Whisky vazias empilhadas ao lado da velha poltrona em que Otávio passava o dia sentado e bebendo. O quarto de Danilo estava totalmente bagunçado. Ele havia feito uma espécie de colchão com as suas roupas, pois julgava que o único meio que conseguiria dormir seria este, deitado no chão em cima das suas camisas sujas de comida. O banheiro que estava sempre limpo e com uma fragrância suave de hortelã, agora fedia a merda e a vodca, que era o que Otávio costumava beber enquanto fazia suas necessidades fisiológicas, mas sempre acabava derramando uma boa parte no banheiro, por descuido de bêbado. A casa quase nunca mais recebia a luz do sol, porque os dois julgavam que eles não mereciam mais ver o sol, e isto se dava como uma espécie de pena para os dois. O único momento em que a porta abria, era quando eles precisavam receber a comida que Otávio pedia, e isto se dava muito raramente, porque os dois estavam comendo pouco e muito mal. Com o tempo eles começaram a ficar pálidos, e pela desnutrição começaram a ficar magros. A escola de Danilo havia ligado várias vezes para a casa, com o intuito de perguntar a razão pela qual ele estava faltando aulas a u um bom tempo, mas parou depois de que uma conhecida da família foi avisar da morte de Joana, o que fez com que eles parassem de interromper o quase que interminável silêncio que se apoderava da casa todos os dias. O trabalho de Otávio havia o demitido por ele ter deixado de comparecer, mas pelo fato dele já trabalhar a muito tempo na empresa e ser muito amigo do seu chefe, ele foi demitido de um modo que tivesse direito a seu FGTS, que era cerca de 20 mil reais. Otávio estava completamente contente por isto, porque poderia permanecer um bom tempo sobrevivendo com este dinheiro, fora o que ele ainda tinha na sua conta bancária, que beirava os 15 mil reais. O estoque de bebidas da casa ainda estava muito cheio, contando com cerca de 50 garrafas de whisky, 30 garrafas de vodca e 15 garrafas de vinho, ou seja, não precisaria ser abastecido por um bom tempo.

            O vazio da casa era contrastava com o vazio existencial que havia naqueles dois. Ambos estavam totalmente perdidos na escuridão da vida e da casa suja em que não saíam a mais de um mês. Nenhuma conexão com o mundo de fora havia sido realizada fora a parte de pegar a comida que era encomendada por Otávio, que já estava quase ficando sempre normal enquanto estava bêbado. Danilo, por sua vez, estava piorando a casa dia. Seus desenhos começavam a ficar cada vais mais sinistros conforme o tempo passava e a escuridão do seu pensamento apenas aumentava cada vez mais. Eram desenhos de células em que tudo estava morto e a carioteca (que era preto) em forma de embrião abortado. Ele dizia a si mesmo que aquilo era perfeitamente normal, e que não estava ficando louco com tudo aquilo, mas a verdade era que ele mesmo sabia que estava péssimo e estava piorando cada vez mais. Estes tipos de desenhos se repetiam aos montes e enfeitavam boa parte do seu quarto, que estava quase todo pichado com palavras de ódio, remorso e dor. Otávio já nem se importava mais com as coisas que estavam acontecendo no mundo lá fora e sequer se importava com os desenhos que o filho andava fazendo, até porque estava tão mal ou até pior que o filho, e além de não achar aqueles desenhos estranhos, chegou a apreciar alguns.

            Certo dia em que estavam ambos comendo na cozinha, alguém toca a campainha da casa três vezes, o que era totalmente estranho, pois eles não haviam pedido comida nem algo do tipo. Eles se entreolharam, enquanto decidiam com o olhar qual dos dois seria o que iria abrir a porta para ver quem era.

            -Pai, provavelmente deve ser algum ser da escuridão que está cansado de ter seus rostos desenhados por mim. Devem ter vindo reclamar disto. Eu sempre soube que não deveria tentar desenhar demônios, eles não são como os celestiais que aceitam ter o rosto desenhado. E agora? = Disse Danilo, com os olhos arregalados.

            -Deixa de besteira menino. Claro que são os deuses da vodca vindo reclamar comigo por eu ter derramado meio litro da última vez que eu fui no banheiro. Eu tenho que ter mais cuidado, mas por via de dúvidas, acho melhor você ir atender a porta, meu filho. Não quero ter o desprazer de atender um cara cujo corpo é totalmente feito de vodca, senão eu não resistiria a beber ele inteiro, coisa que seria algum tipo de heresia e eu teria que ser julgado por isto. – Disse Otávio, enquanto brincava com os fios de macarrão do seu macarrão instantâneo.

            -Eu vou atender, mas se eu for raptado para o domínio das trevas, quero que saiba que a culpa vai ser inteiramente sua, pai. – Disse Danilo, levantando-se bruscamente da cadeira e indo em direção a porta.

            Danilo então foi caminhando até a porta com muito cuidado, porque havia alguns cacos de vidro da garrafa de Red Label que o seu pai havia bebido no dia anterior e jogado com muita força no mesmo lugar em que a sua mulher teria se matado. Danilo então abriu a porta com muito cuidado, até porque seu olhos não estavam mais tão acostumados com a luz do sol como eles estavam antes dele virar um sedentário. A luz foi muito forte para seus olhos, fazendo com que eles imediatamente se fechassem para não ser muito afetado com aquela forte luz. Seu rosto pálido demonstrava uma pequena barba que estava crescendo pouco a pouco pelo fato dele sequer tomar mais banhos, sendo assim, também não fazia a barba. Olhou para aquela linda garota, ainda com os olhos entreabertos, que tinha os cabelos vermelhos como o sangue, olhos azuis como o céu, pele branca como as nuvens e o rosto mais belo que já havia visto em todo o mundo. Seus lábios pequenos assim como suas orelhas, aonde havia um pequeno par de brincos pequenos e que brilhavam pela luz do sol bater neles, eram partes da beleza daquela garota, que também era alta e havia um corpo muito bem definido, com belos e redondos seios que chamavam muita atenção por causa do decote da sua blusa amarela do bob esponja.

-Oi, Demônio, achei que fosse uma criatura feia e grotesca. Como vai pegar minha alma? = Disse Danilo, apresentando estar muito surpreso com aquilo.

-Como assim? Oi? Oque foi que você disse, Danilo? – Disse a garota, exibindo agora um semblante de raiva

-Não é de surpreender que o rei do submundo saiba o meu nome, aliás, você deve saber de todas as coisas. – Disse Danilo.

-Que porra tá acontecendo? Calma, respira um pouco. Você ficou maluco? - Indagou a menina, sem entender nada do que estava acontecendo

-Eu sei que você é Lúcifer, e que veio pegar minha alma como punição para todas as pinturas que eu tenho feito de você e de seus subordinados. Porque parece tão surpreso com isto? – Perguntou Danilo, com um semblante totalmente relaxado, como se não se importasse nem um pouco com a ideia.

            A menina então precipitou-se contra ele e deu um beijo em seus lábios ressecados, após isto, ela o abraçou suavemente, como uma mãe faz com seu filho pequeno que está chorando.

-Eu sei como deve estar se sentindo, Danilo. Você ainda se lembra de mim? Precisa lembrar, eu ficarei muito chateada se disser que não lembra da menina com quem namorou e jurou amor eteno. Sou eu, Beatriz. – Disse Beatriz, enquanto mexia no cabelo sujo, duro e grande de Danilo. Cabelo este que estava precisando urgentemente de um tratamento.

            Danilo então abraçou-a com força. Olhou-a. Não conseguia acreditar. Oque estava acontecendo? Seria um sonho? Não, ele estava abraçando a garota que amou por muito tempo e que após muito tempo tinha reaparecido na sua vida. Chorou. Após ter chorado bastante, ele chorou novamente, quando ela disse que ainda o amava, e que havia contado os instantes para vê-lo novamente. Chorou ainda mais quando ela falou que tinha fugido de casa e abandonado a banda, apenas para poder ficar com ele, porque não aguentava mais suportar a sua ausência. Ele não estava percebendo, mas ela também chorava. Ambos estavam parados na frente da casa, chorando copiosamente, e assim ficaram por um bom tempo.





Capítulo Quatro – Relações



13 de Abril de 2005

            Danilo chegava em casa extremamente cansado de mais um dia de aula na escola “ENSN”, que muitos julgavam ser a melhor escola da cidade, e que seu método de ensino era um dos melhores da região. Danilo achava aquilo tudo uma idiotice, porque para ele não havia uma escola que fosse melhor que a outra, o que diferenciava na verdade era apenas os alunos que estavam em uma ou em outra. Escolas de grande porte como a que ele estudava, atraia mais pessoas das classes mais altas da sociedade, e em consequência, alguns dos melhores alunos que uma escola poderia ter. Em contrapartida, a escola pública em que Thiago estudava não possuía muitos alunos realmente interessados em estudar. Isto via-se pessoas passando o dia inteiro jogando bola numa pequena quadra que tinha nos fundos da escola, após passar para um pátio um pouco empoeirada, e alguns matos que tinham no caminho de terra que havia entre o final do pátio e a entrada da quadra. Mas, não devemos generalizar as coisas, o caro leitor não deve querer saber muito sobre estas coisas, então vamos voltar para o que realmente interessa. Danilo costumava chegar sempre chateado da escola, pois além de não possuir sequer alguma pessoa para conversar no colégio, ele odiava com todas as forças as pessoas que se achavam superior ás outras de alguma forma, e sempre que acontecia de alguma dessas pessoas fazerem mal a alguma outra por causa disto, ele sempre ia defender a vítima da situação. Além disto, o fato de que BDG ainda não tivesse falado com ele, acabava deixando ele ainda pior do que ele já estava, mesmo que isto o afetasse um pouco menos do que afetava antes, mas ainda afetava. Estes fatores juntados com o sono que ele chegava todo dia em casa, proporcionava um momento muito ruim entre ele e a mãe dele todo dia, mas ele sabia internamente que a culpa era toda dele, pois, era apenas ele que chegava estressado, e a sua mãe não tinha a ver com nada, mas acabava sendo vítima dele. Logo que ele chegava em casa, jogava sua bolsa em cima do sofá (que a mãe dele sempre deixava arrumada, possuindo um certo ciúme daquele móvel) e ia diretamente para o seu quarto, sem sequer dar boa tarde para a sua mãe, que estava quase sempre cozinhando o almoço no horário que ele chega. Ela vai, para o filho, e lhe pergunta como foi a escola, ou quando ele aparentava estar chateado com alguma coisa, ela perguntava o que havia acontecido. Era tudo em vão, ele sempre ignorava ela e subia rapidamente para o seu quarto, como se a sua mãe sequer existisse, ou como se ele não se importasse. Mas aquele dia as coisas estavam um pouco diferentes do normal. Era como se o dia tivesse começado com o intuito de terminar ruim, ao menos para Danilo. Logo que entrou em casa, testemunhou uma das cenas mais terríveis da sua vida, algo que certamente iria ficar remoendo bastante em sua mente, até a sua morte.

 Logo que Danilo abriu a velha porta de madeira empoeirada da sua casa, viu sua mãe vestida com um lindo vestido de seda azul, que ela costumava usar para ir em festas, um chapéu de cowboy que seu pai tinha usado no dia que havia conhecido ela, e estava descalça, deixando seus pés brancos e nus tocarem o tapete cinza que havia na sala entre os dois sofás. O resto do seu corpo estava sobre o sofá. Danilo começou a chorar, não entendia o porquê da sua mãe estar segurando uma faca totalmente cheia de sangue, talvez ela tivesse cortado uma galinha e tivesse ido dormir no sofá, talvez ela apenas tivesse molhado um pouco de ketchup para dar um gosto novo, mas ele internamente sabia o que havia acontecido, mas rejeitava totalmente a ideia. Chegou a rejeitar tanto, que correu com suas pernas brancas e finas até o encontro da sua mãe, que estava totalmente ensanguentada, e não era sangue de galinha. Suas lágrimas caiam no rosto agora pálido da sua mãe, cujos olhos ainda estavam abertos, a olhar para o vazio. Danilo não poderia acreditar naquilo que estava acontecendo, não conseguia entender o porquê de sem nenhum motivo específico a sua mãe ter cometido um ato de tamanha crueldade, e de tamanho egoísmo. Danilo não conseguia pensar em fazer nada além de chorar e chorar, a dor consumia ele por completo, a raiva de não ter podido fazer nada, talvez, fosse ainda pior que a dor. Ele não conseguira perceber que a mãe poderia eventualmente fazer algo como tirar a própria vida, mas como poderia perceber isto, se ela sempre estava com um belo sorriso no rosto, como se sempre estivesse feliz com tudo?. Mas e os motivos que tinham levado ela a fazer aquilo?, porque diabos ela havia tirado a própria vida?, aonde estaria seu pai agora?, que não estava lá para ajudar a sua mãe quando ela mais precisava da ajuda de alguém. Ele se culpava agora por ter sido um filho muito distante, culpava-se também por todas as vezes que ele chegara em casa e não tratara ela de forma decente, pelo fato de sempre estar estressado. Mas que se danasse o stress!, a pessoa mais importante da vida dele não possuía mais vida alguma, e ele estava totalmente perdido em um labirinto de sofrimento, o qual ele não iria conseguir tão cedo. Ele abraçava fortemente o corpo já sem vida da sua mãe, na tentativa de talvez trazer ele de volta a vida com o calor do seu corpo, mas tudo aquilo era inútil agora, ela não iria voltar nunca mais.

            Danilo pensou em se suicidar também, na verdade, chegou a pegar a faca que estava na mão da sua falecida mãe e colocar ela perto do seu peito, pretendendo realmente fazer aquilo, pois, se existisse um pós-morte ele iria para o mesmo lugar para qual a sua mãe foi. Mas na hora que ele ia dar o golpe final na sua vida, ele repara que havia uma carta repousando em cima da mesinha de centro, sob a qual ele encostava o seu cotovelo esquerdo. Pegou a carta e leu a seguinte mensagem:

            “Primeiramente eu quero pedir desculpas para todos, realmente sinto muito por esta decisão que acabei de tomar. Sei que para as pessoas isto foi um ato de egoísmo da minha parte, pois eu sei que estarei privando vocês da minha presença até o resto da vida de vocês, mas isto foi algo que eu definitivamente tive que fazer. Não suportava mais esta minha vida nem por mais um segundo, eu realmente não suportava mais nada disso. Sempre fui uma mulher muito solitária, mas acho que de uns tempos para cá, as coisas foram apenas piorando para mim, pois acho que foi me afastando cada vez mais e mais de todas as coisas, e de tudo. Todas as coisas que eu ainda queria fazer, eram simplesmente loucuras absurdas que eu realmente não teria coragem de fazer. Coisas como: Andar pelada pela rua, poder assediar um homem qualquer por ai, poder falar com gírias sem parecer que sou uma idiota, ah qual foi?. Eu apenas queria não ter que representar o mesmo papel para todas as pessoas, coisa que sempre me deixou muito enjoada desta minha vida. Olhe lá a joana!, tão boa mulher ela é para o marido, tão boa mãe ela é para o filho, faz tudo tão perfeitamente!!. Eu estava realmente enojada disto tudo, eu apenas queria eu mesma, não queria ser igual a todas as outras mulheres do mundo. Eu era tão viva quando adolescente, mas quando cresci eu acho que fui restringida a fazer o que os outros queriam que eu fizessem, mas hoje isto termina. TERMINA FINALMENTE O MONOPÓLIO QUE TODAS AS OUTRAS PESSOAS TINHAM SOBRE MIM!. QUEBRA-SE AGORA ESTA COLEIRA QUE SEMPRE ESTEVE PRESA NO MEU PESCOSO, MAS NUNCA TIVE CORAGEM DE TIRAR. VOCES PODEM VIVER O QUANTO QUISER, MAS EU ESTAREI PARA SEMPRE AONDE EU SEMPRE QUIS ESTAR, CONFORTAVELMENTE MORTA!.

Assinado: Joana Barcellos”

17 de Outubro de 2003

            Era um sábado como qualquer outro para todas as pessoas, mas não para Danilo. Seu amigo Thiago estava completando 16 anos naquele dia, e havia o convidado para passar o final de semana na sua casa pela primeira vez, o que deixou Danilo bastante ansioso, pois nunca havia dormido na casa de nenhum outro amigo, até porque tirando os amigos virtuais, Danilo não havia tido mais ninguém para conversar fora os seus pais, e de vez em quando os seus tios. Sua mãe era bastante preocupada com todas as coisas que eventualmente poderiam acontecer com ele, o que fazia com que ela não parasse de pedir vários detalhes sobre a casa de Thiago, ainda mais porque Danilo não era lá um daqueles caras que possuía muitos amigos, e passar o final de semana na casa de um menino que ela mal conhecia parecia uma ideia a aterrorizante que ela estava decidida a combater.

- Mas filho, você vai pra casa de um menino que eu nem conheço direito!. Não faça isso com a sua mãezinha, vou morrer de preocupação até você chegar. – Falou Joana, com a voz doce e suava de mãe preocupada.

-Eu vou, e você não vai me impedir de ir passar o final de semana lá. A gente já tinha conversado sobre isso, então não me venha com essa de “não vá” porque daqui a pouco eu vou estar indo. – Disse Danilo, enquanto terminava de se arrumar para sair.

-Mas filho... – Disse joana, deixado escapar um longo suspiro no final.

            Os longos cabelos louros de Joana balançavam um pouco com o vento tímido que passava pela porta do quarto de Danilo, seus olhos castanhos olhavam fixamente para o filho enquanto ele estava arrumando-se para sair. Ela sentiu vontade de ficar ali até ele desistir daquela ideia, não queria que ele passasse muito tempo longe dela, pois, julgava não achar possível ficar tanto tempo sem seu filho. Ela sabia que aquilo tudo era besteira dela e que não precisava ficar tão preocupada assim, até porque ela deveria estar feliz e apoiando totalmente o fato dele ter arrumado um amigo de verdade que o chamou para a festa de aniversário, até porque ela sabia que isto era uma coisa muito rara. Danilo então levantou-se e ficou parado na frente dela por um certo tempo como se falasse: “você não vai sair?”. Joana pareceu entender o recado, mas não deu a mínima para aquilo, ainda não estava conseguindo aceitar aquilo, não queria “perder” seu filho para pessoas que poderiam tratar ele ruim ou fazer qualquer maldade com ele, mesmo que ele já fosse um adolescente de 15 anos e precisasse ter um pouco mais de liberdade para sair para os lugares. Danilo subitamente abraçou sua mãe, deixando ela muito confusa por não entender o significado daquilo. Passou alguns segundos abraçado, beijou a testa da mãe e disse:

-Não se preocupe, mãe. Eu prometo que irei voltar a salvo. Ficarei com saudades de você também. – Disse Danilo, com uma voz meiga.

            Danilo então passou pela sua mãe e se encaminhou para a porta da sua casa, aonde Thiago já estava ansioso a sua espera. Ele olhou para trás antes de sair de casa, apenas para ter plena certeza de que a sua querida mãe não iria ficar chateada com ele, mas como ela sequer estava por lá, ele apenas continuo o seu caminho rumo o seu amigo.

            Danilo cumprimentou o seu amigo com um abraço caloroso e o aperto de mão que costumavam dar quando eles se encontravam. Thiago estava usando uma camisa regata branca com o símbolo de uma âncora bem na parte central da camisa, e uma bermuda preta com apenas um bolso. Danilo sabia que aquela âncora na camisa do amigo se devia a grande admiração que este tinha por barcos, sendo estes um dos temas mais abordados nos textos que ele escrevia para o fórum dos escritores, rendendo o apelido de “Escritor dos Barcos”, coisa que ele gostava bastante pelo fato de ser bastante verdade. Enquanto os dois andavam, Thiago tirou um papel de caderno do único bolso que tinha em sua bermuda, desdobrou-o e começou a ler para Danilo em voz alta:

- “Querido barco, tu que és o grande sábio de todos os navegantes marítimos, e que nunca erraste em tuas palavras não ditas, diga-me o porquê de tudo isto. Barco que navega entre as águas sujas do meu coração, diz para mim tudo que eu preciso saber para viver, já não posso viver em eterna espera. Barco que anda tranquilamente por todo lugar, porque não para apenas um instante e fala comigo?, eu juro que sou um cara legal. Barco silencioso, tão silencioso que chega a parecer que está gritando comigo para que eu vá embora, mas tu sabes que eu não irei. Barco que tanto amo, porque não deixas esta tua face sem boca e fala comigo, acho que não seria algo tão difícil para você que tudo pode. Querido barco, sei que nunca irás falar comigo como eu sempre sonhei que faria, mas eu não posso esconder esta tristeza que agora domina totalmente o meu ser. Querido barco, quero que saiba que você é importante para mim, e não deixarei de te admirar só por causa deste fato enfadonho. Embarcarei na minha vida, quando eu deixar o cais e embarcar em ti.” – Leu Thiago, olhando com um olhar esperançoso para seu amigo, esperando que ele pudesse dar uma opinião sobre o seu texto:

- Isto parece ser metáfora, mano – Disse Danilo, pegando o papel das mãos de Thiago para dar uma averiguada em algumas coisas que ele provavelmente não tinha entendido.

- E qual dos meus textos não são cobertos de metáfora? – Riu Thiago, com um sorriso despreocupado.

- Este ficou muito bonito, mas falando nisso, você vai participar daquele concurso que vai ter na cidade semana que vem? – Perguntou Danilo, com uma expressão curiosa.

- Eu ainda estou pensando nisso ai, acho que não estou tão pronto, sabe?. Deve haver tantas outras pessoas melhores que eu por ai, provavelmente não irei passar da primeira fase – Thiago riu timidamente quando falou aquilo, seu olhar que antes tinha como destino o seu amigo, estava agora fixado nos seus pés.

- Você sabe que deveria se inscrever neste concurso, cara. Você é muito bom!. Mas mudando um pouco de assunto, adivinha quem voltou a falar comigo?.  – Falou Danilo

-Ah!!, isto explica esse sorriso bobo que você está dando hoje para qualquer besteira – Riu Thiago, que agora guardava o papel de volta no seu bolso, e pegava outro.

- Acho que não há como ficar triste em um dia como estes!. – Disse Danilo, apontando para o céu que estava quase totalmente sem nuvens.

- “Não há motivos para tanta agonia em uma garota tão calma. Olhe para os meus olhos, querida amiga, não vê que toda esta tristeza que agora preenche teu coração, nada tem de tão complicada como uma equação matemática, mas a simplicidade das coisas que nós fazemos no dia-a-dia, como levantar da cama todo dia. Não há dificuldades quando nós mesmos não impomos elas a nós mesmos, e você que sempre foi tão forte para estas coisas do coração, agora desmancha-se em uma dor que você não precisava estar sentindo, e você sabe disso. Querida amiga, levante a sua cabeça e comece a pensar no que você me disse no dia em que eu estava sentindo esta mesma dor. Parece hipocrisia de nós dois, mas acho que isto acontece frequentemente com as pessoas, embora isto não possa ser uma desculpa para viver em hipocrisia. Seja a garota forte que você sempre foi, não é uma besteira como esta que deveria te deixar neste estado, mas algo realmente. O mundo é um lugar sujo e sombrio, mas ele não é totalmente assim, e você sabe disto. Há coisas boas no mundo, nós só temos que parar de olhar apenas para as coisas ruins, e foi você que me disse isto. Querida amiga, eu sempre estarei aqui contigo”. – Leu Thiago, voltando a olhar do mesmo jeito que olhou quando leu o primeiro texto.

- Isto ficou incrível, cara!. – Falou Danilo, maravilhado com aquele texto.

- Eu estou pensando em competir com este. Mas mudando de assunto, o que vocês falaram?. – Perguntou Thiago.

- Ela pediu desculpas por ter sumido de repente, coisa que eu ainda não desculpei totalmente, sabe?. Ela me contou umas coisas sobre ela que eu não sabia, sobre a convivência entre a madrasta dela e o pai. É tipo horrível, sabe?. Ele proibiu ela de usar o computador por um tempo, mas não me disse o porquê disto, mas acho que deve ter sido algo muito ruim para ela não querer ter me contado, mano. – Explicou Danilo, movendo as mãos enquanto falava.

- Cara, isto é horrível. Minha mãe fugiu de casa depois de umas coisas eu meu pai fez a ela, e desde então tem sido apenas eu e meu pai em casa, por sorte eu não tenho uma madrasta, cara. Você não deve esperar que ela vá te contar estas coisas tão cedo, mas acho que deveria procurar entender o lado dela e parar com isto de não querer desculpar ela, pois, ela simplesmente não podia fazer nada contra, cara!. – Falou Thiago, parecendo ter ficado um pouco irritado.

- Eu sei disso, mano. Eu estou procurando não me importar muito com isto, mas eu meio que fiquei mal por muito tempo, achando que ela simplesmente tinha me abandonado. Além disto, ela disse que viria aqui em Joao Pessoa passar alguns dias comigo, espero que dê tudo certo nisto. Acho que ela está querendo compensar o fato de ter passado tanto tempo fora. Eu estou muito ansioso, mano. Vai ser a primeira vez que vou ver ela pessoalmente, quero que tudo aconteça de modo perfeito – Disse Danilo, demonstrando muita preocupação.

- Isto é muito bom, cara!. Depois a gente fala mais sobre isto, nós acabamos de chegar na minha casa. – Falou Thiago, apontando para sua casa.

14 de Abril de 2005

            No velório de Joana via-se apenas 5 pessoas, umas apenas de cabeça baixa perto do caixão de madeira escura em que repousava o corpo da defunta, já outros olhavam fixamente para o rosto pálido e sem vida de uma mulher que provavelmente teria deixado várias lembranças nos que ali a velavam. O pai de Danilo estava totalmente embragado, mas estava se controlando para não estragar o funeral de sua amada esposa, embora fosse muito difícil permanecer calmo quando a mulher que ele amava com todas as suas forças, partiu da sua vida de uma forma tão trágica, e sem dar uma explicação decente para ele. Ela havia o abandonado, era isto em que ele acreditava. Ela não conseguiu suportar toda aquela pressão que havia sobre ela, e que o fato de ter abandonado todos os seus sonhos para poder cuidar do marido e do filho que havia acabado de nascer na época em que ela tomou essa decisão, era algo que perturbava totalmente o seu coração, e que seria uma ferida que iria arder até o ultimo segundo da sua vida. Caetano não conseguia acreditar em tudo aquilo, nem mesmo ali no velório, olhando para os cabelos da sua amada Joana e dizendo para si mesmo que não conseguiria mais viver sem acariciar aqueles lindos cabelos louros, ou o a sua bela pele branca, ou até mesmo falar palavras carinhosas quando ela acordasse de manhã para fazer o café, porque ela não iria mais acordar, nunca mais. Danilo então se levantou para dar um abraço no pai, que não estava nada bem, além de estar alcoolizado, ele havia começado a chorar copiosamente. Danilo resolveu então dar um abraço no seu pai, que estava realmente precisando, mas foi surpreendido por uma curta palavra:

-Não- Disse Joaquin, afastando seu filho com a mão cheirando a álcool.

-Mas pai... – Disse Danilo, sem forças para terminar de falar.

-Olhe, pegue isto e vá ler, espero que você não me culpe por nada, mas eu já sabia que ela poderia fazer alguma coisa deste tipo, eu não tenho culpa nenhuma disto. – Disse Joaquim, enquanto pegava uma carta no bolso do seu terno preto e entregava a seu filho.

-Pai... – Disse Danilo, pegando a carta e dirigindo-se para o lado de fora da funerária para poder ler aquela carta.

 Quebre o meu coração, deixe-me voar livremente por um lugar aonde eu realmente não quero estar, talvez, até possa enxergar o valor real das coisas que tenho perdido pouco-a-pouco. Nós não percebemos, mas todo dia nos é arrancado um pedaço, ou adicionado um pedaço, mas isto é para aqueles que possuem sorte, não para azarados como eu. Salve-me, o mundo já cansou de dar voltas e mais voltas esperando que você venha até aqui me tirar deste lugar tão escuro e tão sombrio, que acho que até mesmo o pior dos espíritos sequer passa por perto. A apatia que me cobria e me confortava, já não é mais tão forte, e com o tempo ela vai dando espaço para um inimigo que á tempos eu não tenho visto, a depressão. Esqueça o que de mais importante você tenha para fazer, pegue a chave e abra esta porta que há entre mim e a felicidade, destranque todo este amor que eu sei que ainda está em mim, por favor, faça isto rápido, não sei se aguentarei muito tempo tendo que viver de minhas ilusões, o mundo já me puniu bastante por fingir. Acho que este é meu adeus final, espero que nunca mais eu tenha que ver essa pessoa que vejo sempre que estou na frente de um espelho, esta pessoa que tanto me assusta e tanto me dá pena, essa pessoa que está tão perdida que nem mesmo sabe por onde começou, essa pessoa que parece mais um condenado do que um civil livre e liberto. Olhe bem, eu tenho tentado há um bom tempo sair daqui com minhas próprias forças, mas tudo isto tem sido em vão, sequer consigo mais enxergar a tal da luz no fim do túnel, acho que pouco-a-pouco estou perdendo a minha esperança, e como a esperança é a última que morre, acho que eu estou muito perto de acabar com esta minha apática existência, que é tão insignificante como um graveto que está na segurança de uma árvore, mas nunca ousou sair de lá, porque ele nunca quis correr o perigo que corremos no mundo afora. Acho que os ladrões não impõem tanto medo quando nós mesmos, acho que somos nossos próprios inimigos, e não adianta fugir, isto é uma realidade que sempre vai existir, uma verdade que nunca mudará, não importa o quanto o tempo mude. “



Capítulo Três – Fatos



2 de Outubro de 2003

            Era duas horas da tarde quando Danilo resolveu sair um pouco de casa para tentar pensar em alguma coisa que não fosse aquela garota por quem estava apaixonado sem sequer ter visto uma vez na vida. As pessoas passavam parecendo não se importar bastante com nada que acontecia ao redor, como se nada importasse de verdade, ao menos era nisso em que Danilo pensava quando via alguém passando por ele com um semblante apático. Seu olhar crítico não o deixava imaginar o mundo de outra forma, ele julgava as pessoas como se todas fosse exatamente iguais uma as outras, como se todos fossem apenas “farinha do mesmo saco”. Ser uma pessoa muito reclusa fez com que ele olhasse o mundo com outros olhos, não com aqueles de pessoas normais que deixam escapar traços importantes das pessoas, mas digamos que Danilo conseguia perceber as piores partes de cada pessoa tendo apenas uma pequena conversa, o que ele já achava ser completamente normal.  Sentou-se em um banco qualquer que tinha numa praça pequena no bairro aonde morava, para ficar observando as pessoas que passavam por ai e tentar ver quantas não aparentavam estar felizes. Aquele era um lugar triste, pois, a praça em si não colaborava para aumentar o ânimo de ninguém. As folhas das poucas árvores que lá tinham estavam quase tão amarelas quanto uma casca de banana, o que não era nada comparado ao fato de que quase toda a quadra de futebol estava pichada e quebrada, que parecia ser ainda mais insignificante quando você olhava para a grama que lá tinha e percebia que havia lixo em quase toda parte. O abandono daquela praça era notável até por alguém que apenas a visse por poucos segundos, pois, tudo nela estava podre, e assim Danilo julgava todos que lá passavam incluindo ele mesmo.                                   

            Na frente desta praça ficava o colégio público mais abandonado de toda a cidade de João Pessoa. Era um cenário deprimente para qualquer pessoa, mesmo que esta não tivesse muita sensibilidade. A grade cinza estava em boa parte arrancada, e o pouco que ainda sobrava estava torto ou enferrujado. Não havia portão naquela escola, pois, sempre que o governo colocava um portão novo, as pessoas quebravam um pouco depois de colocarem, ou alguns vinham á noite para fazer isto. Não havia diretores na escola, sequer professores e muito menos alunos. Além de que toda a parte externa e interna da escola estava pichada, e havia boatos de que ali se realizavam rituais de grupos satânicos todas as sextas feiras, o que Danilo era curioso para saber se isto acontecia realmente, mas nunca teve coragem de ir. O lixo consuma totalmente aquele lugar, tendo desde comida jogada fora, embalagens plásticas, vidros que eram provavelmente de bebidas ou lixo hospitalar. As pessoas que deveriam ter ao menos um pouco de bom senso, apenas faziam colaborar para que aquela situação se agravasse, jogando cada vez mais lixo lá dentro. Danilo de alguma forma se sentia confortável neste banco, olhando para esta escola.

            Aquele foi um dia marcado por uma chuva fina, que quase não deu uma trégua para as pessoas que buscavam sair. Danilo adorava chuvas, porque o som que ela fazia era de uma melancolia extrema, como se trouxesse um sentimento agradável para si, mas ele sabia que não era bom. Seus olhos que ao mesmo tempo possuíam a determinação de um guerreiro que acabara de sair para uma guerra em que o destino do mundo estava em jogo, possuíam uma tristeza de uma pessoa amarga que não possuía nada na sua vida. Esta dualidade fazia com que tudo fosse complicado, pois a mesma coisa que o fazia ficar feliz era a coisa que o fazia ficar triste, o que era simplesmente inexplicável para Danilo. Ele queria ao menos poder ver o rosto daquela garota, mas o fato de que ela provavelmente nunca vai querer ver ele, o deixava totalmente desanimado, como se tivesse perdido completamente o chão. A chuva caia no chão assim como a vontade de ir procurar a garota caia em um abismo profundo, no qual se guarda aquelas ideias que você nunca vai executar mesmo sabendo o quanto quer fazer, você simplesmente vira as costas e jura para si mesmo que não se importa. Danilo estava muito pensativo naquele momento, talvez estava formulando algum jeito de encontrar esta menina em algum lugar, ou talvez estava apenas preso na sua grande “caixa do nada”, que era um lugar em que não havia nada além de um branco total e uma paz para poder esquecer um pouco as coisas. O mais estranho era que aquele era um lugar muito diferente daqueles que a maioria das pessoas procuram quando estão querendo pensar em algo, pois aquele lugar inteiro te dava uma sensação de mal estar enorme, e haviam notícias que diziam que algumas pessoas haviam se suicidado ali.  

            Depois de algum tempo ali parado, Danilo notou que alguma pessoa tinha se sentado ao seu lado e estava o observando, e o que mais o deixava curioso era que ele não tinha percebido a chegada desta pessoa. Então ele ajeitou-se no banco, para então criar coragem para falar com aquele indivíduo misterioso.

-Faz muito tempo que você está aqui? – Perguntou Danilo

=Não tanto, você estava ai perdido em pensamentos que pareciam te deixar desnorteado, então não quis te atrapalhar, até porque eu mesmo ficaria com raiva se alguém fizesse isso – Respondeu

-O que você faz aqui? , acho que nenhuma outra pessoa em sã consciência viria a um lugar como este em um dia chuvoso – Perguntou Danilo, querendo não demonstrar que estava receoso com aquele indivíduo.

-Eu gosto de lugares como este. Como eu quero ser escritor algum dia, acho que devo andar em todos os tipos de lugares, para depois falar sobre eles. Ah, e meu nome é Tiago. – Respondeu Thiago, dando um leve sorriso após ter se apresentado.

-Meu nome é Danilo. Eu não acho que lugares como este vão inspirar alguma coisa de útil, pois tudo que eu penso agora é em como eu vou fazer algo que parece ser impossível – Falou Thiago, com um grande tom de tristeza.

            Thiago ficou olhando um pouco para uma árvore que tinha perto de onde eles estavam, deixando sua mente vaguear por ai enquanto seus olhares estavam totalmente fixos naquela árvore. Depois de um certo tempo, Thiago notou uma certa inquietação em Danilo, como se ele não quisesse estar mais ali, como se a sua presença não fosse mais bem vinda. Então ele apontou para a árvore que estava observando e disse:

-Você consegue ver o passado ao olhar para algumas coisas? , ou o que ela realmente é por fora de todas as máscaras? – Falou Thiago.

-Não consigo, mas não entendi aonde você está querendo chegar falando estas coisas. – Disse Danilo, aparentando estar muito confuso com aquilo – Por algum acaso você consegue? –

-Eu acho que consigo um pouco – Disse Thiago, interrompendo para ajeitar um pouco a sua touca vermelha. – Mas olhe para esta árvore, você acha justo julgar ela apenas por causa da aparência atual dela?, talvez ela já tenha sido uma árvore muito bonita algum dia, mas o tempo tirou toda a beleza dela, como um ladrão que tira os pertences da sua vítima. O tempo é o maior inimigo das pessoas, e parece que quanto mais o tempo passa, mais as coisas ficam feias e sem cor, ao menos é isto que eu acho. Temos que ver as pessoas por quem elas realmente são, e não por quem elas querem aparentar ser, como você que estava sozinho em um lugar como este, provavelmente ninguém além de você sabe do que se passa na sua cabeça, e você não ousaria contar pelo fato de que as pessoas poderiam te achar estranho. Você como muitas outras pessoas, está apenas usando uma máscara para esconder quem você realmente é, talvez para proteger a si mesmo de alguma coisa, não sei. Mas é justamente como a árvore, ela está se escondendo em máscaras velhas apenas para as pessoas olharem para ela e pensarem que ela é simplesmente uma árvore normal, mas no fundo ela é uma árvore triste que não fala para ninguém além de si mesma. Esta comparação não deve ter ficado muito boa, mas acho que é o suficiente para você entender tudo que eu quero falar. Ou acabamos com os problemas, ou eles acabam conosco. –

            O silêncio tomou conta do lugar, como aquelas visitas que vem apenas para passar alguns minutos e acaba começando a morar na casa. Danilo estava absurdamente surpreendido por todas as palavras que Thiago acabava de dizer. Era incrível o fato de que uma pessoa que aparentava ter a mesma idade que a dele, tivesse uma visão de mundo muito superior a pessoas com mais idade que ele. Os adolescentes naquela época não ligavam muito para nada, queriam apenas se divertir a qualquer custo, nem que fosse com bebidas ou qualquer outra droga. Danilo estava com receios, mas depois do que ele ouviu, tudo que ele poderia fazer era admirar totalmente aquele cara que havia acabado de conhecer. Depois de um tempo, Danilo resolveu quebrar aquele silêncio:

-Estou realmente surpreso, não achava que havia uma pessoa que fosse mais ou menos da minha idade, que tivesse um pensamento diferente de todas as outras pessoas, eu estou realmente surpreso. –

            E enquanto eles conversavam, a chuva continuava caindo lentamente no chão como se nunca fosse parar. E assim começou a amizade daqueles dois rapazes, que mal sabiam o que o futuro os reservava.



11 de Abril de 2005

            As coisas pareciam ter se normalizado entre Danilo e Thiago, mas o clima ainda estava um pouco tenso entre os dois, e isto dava para facilmente ser notado se você observasse o fato de que os dois estavam em lados opostos no quarto, cada um fazendo uma coisa totalmente diferente. Os pratos sujos da pizza que havia sido comida no dia anterior ainda estavam em cima da mesa, a garrafa de refrigerante que agora estava seca ainda estava em cima da mesa, e nenhum dos dois pareciam estar preocupados com isto, como se não importasse nem um pouco com isto. O guarda-roupas de Thiago estava bagunçado, pois ele havia revirado muita coisa para procurar um antigo mangá de Naruto para ler, que acabou não achando, e deixando toda aquela bagunça lá. Danilo que parecia o que estava menos se importando com toda a bagunça do quarto, estava lendo um antigo romance que havia levado para Thiago ler, mas depois daquilo que havia ocorrido, ele desistiu da ideia de emprestar e acabou decidindo que iria ler de novo aquele romance. Thiago, por sua vez, estava no seu computador procurando mais notícias relacionadas com o que havia acontecido no festival. Até que em certo momento, quando as coisas pareciam estarem totalmente perdidas, Danilo olhou calmamente para Thiago, e então disse:

-Desculpe-me por ter sido tão grosso contigo, mas acho que ainda tenho uma forte ligação com aquela garota, e não estou pronto para ver ela novamente. –

-Que isso cara, não precisa se desculpar. O único que precisa de desculpas aqui sou eu, que fui um tanto quanto insistente sobre um assunto que eu sabia que você não iria gostar. Vou deixar esta coisa toda de investigação de lado se você quiser – Disse Thiago, enquanto ia fechando todas as abas do navegador.

-Aquilo tudo com ela foi como uma mentira, pois é isto que o amor sempre pareceu para mim, uma grande mentira. Você não precisa se desculpar, caro amigo. Vamos investigar isto a fundo, eu iria adorar que ela tivesse feito algo de errado, pois além que quebrar a imagem quase perfeita que eu tenho dela, iria servir como uma vingança. – Disse Danilo, com os olhos fixos em Thiago.

- Ela nunca foi perfeita, nada no mundo é perfeito, cara. Vamos então investigar tudo que podemos na internet, vou precisar da sua ajuda para coletar o máximo de informações. Será que? .... – Disse Thiago, com uma grande pausa no final.

-Não vá dizer que você acha que ... – Disse Danilo, olhando para Thiago com uma cara de espanto

-Sim, acho que isto é bem possível. Comecemos a pesquisar, vou colocar Metallica aqui para podermos pesquisar com inspiração. Mas claro, temos vários suspeitos disto, não vamos tirar conclusões precipitadas. – Disse Thiago, rindo bastante.

            Danilo então pegava um antigo notebook seu, que havia deixado na casa de Thiago caso precisasse para fazer algo, o que era o seu caso, Teve que procurar bastante pelo seu carregador, que era uma das únicas coisas que ninguém sabia por onde andava, e ele não poderia usar um notebook descarregado. A pequena bagunça que já havia se instalado no quarto ficou ainda maior, porque com o tempo Danilo foi começando a perder a paciência de procurar, começando a ignorar que ali devia ser um quarto totalmente arrumado e limpo. Mas após algumas horar procurando, Danilo achou o seu carregador atrás do guarda-roupas de Thiago, que é um lugar que ninguém nunca pensaria encontrar um carregador.

            Eles passaram o resto do dia inteiro pesquisando sobre o assunto, e de quando em quando um alertava ao outro sobre algo importante que havia descoberto, ou uma das vítimas que tenha saído com vida que tenha falado algo interessante sobre, naquele ponto qualquer fator era crucial para eles. Os semblantes de cansaço estavam deixando claro que eles haviam passado o dia esforçando-se, mas a pior das notícias é que mesmo com tudo aquilo eles não acharam nada de útil, nada que fosse realmente importante para eles. Tudo que haviam pesquisado apenas evidenciavam que aquilo deveria ter sido causado por alguém, mas nada que falasse quem pudesse ter sido o causador daquela tragédia, o que deixava os dois frustrados depois de tanto esforço. Mas passado um pouco a frustração, eles voltaram a pesquisar freneticamente, sem sequer parar para dormir ou sequer cochilar. Eles passaram a noite inteira pesquisando, buscando novos sites que pudessem falar algo que eles já não sabiam, tentaram entrar em contato com alguma pessoa que houvesse presenciado o acontecimento, mas nada disso foi o suficiente, pois, nenhuma dessas coisas deram resultado, eles apenas perderam uma noite de sono procurando uma coisa na internet que eles não conseguiram achar.

             Após passarem quase 24 horas pesquisando como loucos na internet, eles acabaram se rendendo ao sono após um almoço que ambos julgaram “divino”, que havia sido feito pelo pai de Thiago, que era cozinheiro de um grande restaurante da cidade, mas hoje ele estava de folga e decidiu fazer um almoço diferente, como forma de recompensar o esforço que os dois garotos haviam dado. Eles achavam que aquilo era muito importante, e que se eles pudessem descobrir o verdadeiro culpado daquilo, iriam ser considerados grandes heróis. Eles sabiam que haviam pessoas da polícia muito mais preparadas que eles, e que eles teriam muita facilidade naquele caso, mas nem por isto eles chegaram a pensar sequer um segundo em desistir daquilo. Era como se o problema chamasse por eles, como se tivessem enfeitiçado eles, e este era um feitiço do qual eles não conseguiam sair.

4 de outubro de 2003

 - Assim que esta porta fechar, fecha-se com ela também a minha vida e tudo que está nela. Não sou dramático, apenas um pouco. Direi adeus á todos estes orixás que estão aqui em casa, e me despedirei também de todos os cantos da casa que eu costumava ficar, a fim de não deixar esta vida sem me despedir de tudo que importa para mim. Não olhe para mim com estes olhares de pena, eu também sinto apenas pena da minha pessoa, e acho que isto é tudo, tudo é isto. Certa vez eu fiquei com uma vontade parecida com esta, mas era apenas besteira de criança, pelo fato de que minha mãe não queria me dar o brinquedo que eu queria, mas agora é muito diferente, não acho que vou conseguir suportar isto assim tão fácil, então é melhor acabar com isto de uma vez, não acha?. Vou dar adeus para todos os sonhos que um dia eu já tive, e para todos os objetivos de pessoa iludida, e além de que também tenho que dar adeus para as minhas diversas tentativas de fazer algo que ninguém nunca fez, e me despedir da esperança que nunca tinha me deixado. – Falou Danilo, enquanto olhava fixamente para Thiago.

-Se você realmente quiser fazer isto, uma pessoa como eu não seria capaz de fazer nada para te impedir. Acho que você se importa demais com todos os detalhes, Danilo. Você deveria apenas não se preocupar com tudo isto, deixar para lá e pensar em qualquer outra coisa. Ás vezes me sinto alheio ao mundo, entende?. Não que isto vá te servir de algo, mas eu poderia te mostrar umas histórias que eu escrevi tempos atrás, que fala um pouco sobre este sentimento. Tenha dó de si mesmo, Danilo. Aquela garota nem valia tanto assim, e além disto, você nunca viu ela pessoalmente, então porque ficar com saudades de algo que você sequer viu ou tocou?. Você vai perder algo muito precioso que é a sua vida, por algo que sequer vale a pena.

            O quarto de Danilo estava totalmente escuro. Eles olhavam vagamente para o teto enquanto conversavam, como se vissem algo de realmente interessante ali, naquele lugar aonde só se via uma única cor, uniformemente distribuída pela casa. Havia um pouco de vidro quebrado no chão, encostados na parede, bonecos estes que Danilo costumava falar que era a raça humana em seu princípio, quando o que ele acreditava ser o criador fez os humanos. Danilo dizia que os humanos foram feitos do vidro, e que isto explicava o fato deles serem tão frágeis, tão descartáveis, e que tudo que faziam era refletir o que estava perto deles. Havia um mapa do brasil colado na parede, em frente a cama, que Danilo costumava ficar observando quando não tinha nada para fazer, era uma espécie de passatempo para ele, uma coisa estranha que mesmo sem fazer muito sentido, acaba te deixando bem de certa forma.

            Eles estavam um pouco cansados de estarem apenas deitados, olhando para o teto, então Danilo surgiu com a ideia de que eles poderiam sair um pouco, para andar sem destino por ai. Thiago hesitou um pouco antes de aceitar a ideia, pois ele nunca tinha andado pelas ruas de noite, achava que tudo era muito perigoso por ali, e que iria acontecer alguma coisa ruim se ele saísse. Eles foram então para a Rua do Sol, que nada mais era que uma rua perto da casa de Danilo, em que você poderia ver o sol nascendo, se você estiver na rua no momento em que ele estiver surgindo. Era um Lugar que Danilo costumava ir quando se cansava de ficar o dia inteiro no computador, o que era um pouco raro, mas ele acabava sempre gostando de ter ido. Era uma rua normal como todas as outras ruas, exceto por todas as suas casas antigas que até hoje são bem conservadas, ou pelos antigos postes que não possuem nenhum sinal de vandalismo, o que era muito difícil de se ver em um tempo aonde os vândalos atacavam quase todos os bens públicos. Havia uma casa nesta rua que se destacava um pouco das outras, não pelo fato de ser mais bonita que as outras, ou mais antiga, mas ela se destacava por uma simples frase que estava escrita no seu muro. Era a principal atração daquela rua para Danilo, pois, ele nunca havia visto o nascer do sol daquela rua, pelo fato de que ele estudava de manhã, e precisava dormir para ir ter mais um dia torturante na sua escola. A frase havia sido escrita com cerâmica, uma cerâmica vermelha que já estava bastante desgastada por causa do tempo, mas nunca havia deixado de ter seu brilho. A frase era a seguinte: “Você já viveu hoje?”. Aquela frase deixa Danilo muito reflexivo, pois ele começava a pensar se ele estava realmente vivendo, ou se estava apenas ocupando um lugar no tempo e no espaço, como tantas outras pessoas. Mas toda essa reflexão nunca o levou a conclusão nenhuma, só alimentou mais outras reflexões que alimentaram mais outras reflexões, como uma hidra que tendo sua cabeça cortada, recebe duas novas cabeças no lugar aonde havia apenas uma. Aquela frase parecia que causado um grande impacto em Thiago, que permanecia em silêncio desde o momento em que a leu. Ele olhava para o céu, olhava para as casas da rua, para a quase insignificante quantidade de lixo que havia naquela rua, e depois voltava o olhar novamente para a frase, buscando entender a real mensagem que ela queria passar, ou ao menos uma resposta para ela, mas isto ele julgava praticamente impossível.

-De modo lógico – Disse Thiago – Nós vivemos sim hoje, pois não estamos mortos, o que caracteriza a vida. Mas se formos pensar de outro modo, poderemos pensar que a frase se trata de perguntar se nós nos sentimos vivos hoje, ou então se nós aproveitamos a vida. Não estou conseguindo refletir muito bem sobre isto, minha mente meio que está em um lugar distante. -

            Eles apenas ficaram ali olhando aquela frase, cada um nos seus próprios pensamentos, cada um no seu próprio mundo particular, tão distintos e tão parecidos. Era tarde para as pessoas, mas muito cedo para cada um dos dois, e foi nesse momento tão silencioso que todas as palavras não ditas pareceram começar a fazer sentido. Eles haviam apenas lido uma frase, nada que fosse totalmente fora do comum, mas apenas isto serviu para mostrar que a vida é curta, e que se você não aproveitar, você não estará vivendo. Danilo então olhou para Thiago, sorrindo, como quem estava falando: “eu finalmente entendi”, enquanto Thiago fez o mesmo, no mesmo instante. Ficaram ali os dois, numa rua qualquer, enquanto tudo começava a fazer sentido.
Capítulo Dois – Rótulos

5 de Abril de 2005
            Danilo acordava ás 9 da manhã naquela apática terça-feira, tinha perdido aula, mas ele não estava se importando nenhum pouco para aquilo, pois, se sua mãe não o forçasse a ir, ele teria perdido boa parte do ano. Danilo sempre foi muito preguiçoso para levantar cedo e ir para a escola, sua mãe chegou a transferir ele para o turno da tarde, mas ele não se adaptou muito bem, e acabou voltando para o turno da manhã. A tristeza parecia que estava instalada em qualquer lugar para onde ele olhava, mas principalmente no seu coração, aonde ai ela fazia o seu reino. Ter levado aquele fora de Gabriela não leva toda a culpa por aquela tristeza, pois, já estando triste, Danilo ficava se perguntado se sua vida tinha realmente sentido, pois nada que ele fazia trazia a satisfação que ele precisava, e isto o deixava muito pra baixo, não ter satisfação em nada é uma situação complicada de apatia, mas ele sabia disto. Parando para pensar, talvez a razão de Danilo não ir para a escola é o fato de que ele não tem nenhum amigo, e isto é um grande desmotivador para ir para a escola, pois, pelo menos em casa ele tem o computador, tem tudo aquilo que ele sempre precisou, todo o seu mundo sempre girou naquele computador. Danilo então ligou o seu computador, como fazia em qualquer dia normal, geralmente já ia se preparando para jogar, mas ele não estava muito afim de jogar nada, queria apenas entrar no computador e perder tempo lendo tópicos e mais tópicos que falassem sobre música, talvez até ficar vendo fotos antigas da sua família, enfim, qualquer coisa que fizesse o tempo passar. Tendo o computar já ligado, Danilo resolve então entrar no internet explorer para poder visitar seus blogs que costumava ir antigamente, mesmo que isso lembrasse muito o tempo em que ele tinha um fórum, e que tinha feito muito sucesso, ele continuava entrando, não por que gostava, acho que era mais por não ter nada a fazer e isto já ser um hábito. O que chamou a atenção dele foi um post que estava em destaque no primeiro blog que entrou, o prime, cujo título estava em vermelho, com o nome “[LUTO] Por todas as vítimas”. Danilo então clicou no post sem pensar duas vezes, se deparando com a seguinte postagem:
“Por todos aqueles que perderam a vida, eu nada mais quero um mundo mais seguro em que todos possamos ser livres para podermos sair para onde quisermos, acho até que já deveríamos estar em um mundo assim. Não foi algo de uma pessoa normal, apenas um psicopata faria aquilo, pois não tinha necessidade nenhuma de ter provocado algo em grande escala como isso, seremos marcados pela mídia eternamente por este fato, o que dirão os estrangeiros?. O Brasil não liga muito para a segurança, deixando alguém fazer este tipo de coisa em um festival que estava ótimo até então, mas enfim, quero que os parente daqueles que foram mortos sejam reconfortados, mesmo sabendo que é algo muito difícil”. Danilo então ficou em choque, não podia acreditar que uma coisa daquele tamanho iria acontecer logo ali na sua cidade, num lugar que não era muito pacífico, mas sempre que tinha um festival as coisas normalizavam. Era cruel, ou também poderíamos classificar isto como: “Desumano”, “Psicopata”, “Infernal”, etc. Todos estavam abismados com tudo aquilo, as pessoas estavam evitando de sair de casa, pois se aquilo aconteceu, eles sequer querem tentar imaginar o que pode vir depois. Parece como se tivesse sido uma brincadeira, as pessoas estavam pensando em um ataque terrorista, ou algo do tipo, mas ninguém sabia ao certo o que tinha sido aquilo, e até agora os culpados não tinham sido encontrados.
Danilo então desligou o seu computador, mas não do modo correto, apenas puxou a tomada do módulo isolador, e então foi até a sala para conversar com a sua mãe sobre aquilo, era algo torturante, que agora tomava toda a sua atenção, até o fora que tinha tomado na noite anterior, parecia ter se tornado um enorme nada agora com esta notícia. A televisão da sala estava sintonizada num canal local, que estava transmitindo noticias justamente deste fato, era uma jornalista meio antipática que estava toda vestida de preto, desde o seu vestido levemente menor que seu corpo até seu salto alto. A moça estava andando perto dos escombros que sobraram de algumas estruturas que lá haviam, e mais cedo encontravam-se pedaços humanos que haviam voado com a explosão, não que ainda não houvesse pedaços, mas a quantidade era bastante reduzida. Enquanto transmitia os fatos que ocorreram naquele local, ela fazia algumas observações em que deixava escapar a sua própria opinião sobre o fato, o que tirava um pouco da sua credibilidade, mas nada tão agravante. Danilo então olhou para a sua mãe, e mesmo querendo abrir a boca para falar algo a respeito deste fato ele não conseguiu, as palavras simplesmente não saíram, como se fossem intocáveis sonhos, que mesmo que se você chegar perto deles, não conseguirá tocá-los. Joana então abraçou-se com seu filho, e colocando a sua cabeça sobre o ombro dele, desatou em choro durante bastante tempo,  Danilo que também estava chocado com tudo aquilo, apenas afagou as mágoas da mãe em seu ombro, enquanto alisava o cabelo preto e extremamente liso que Joana tinha. Após algum tempo, Danilo faliu para sua mãe:
-Aconteceu alguma coisa com a Gradiente? – Perguntou Danilo – Já que eles iriam tocar naquele festival, provavelmente eles deveriam estar no local na hora da explosão, eles estão bem?;
-Como você é insensível meu filho! – Repreendeu Joana – Com tantas pessoas mortas nisto você vai ficar ai preocupado com apenas os músicos?, pense nos garotos que estavam lá, toda a plateia foi dizimada, e você ai preocupado com a Gradiente. Ah, e para a sua informação a gradiente não sofreu nada, ela cancelou a participação dela um pouco antes do show;
-Isto é um alívio, só de saber que nada aconteceu com ela... – Suspirou Danilo – Já me bastava o que aconteceu ontem.
-O que é isto agora? ,  você realmente não se importa com todas as outras pessoas que estavam lá? ,  que tipo de pessoa você se tornou? – Esbravejou Joana – Ao menos mostre um pouco de consideração por todos os outros que estavam, e acabaram morrendo.
            Danilo então olhou para a mãe por alguns instantes, mas nada falou, não queria arrumar confusão naquela hora. A sua mãe poderia não saber, mas ele também estava mal por todas as outras pessoas que haviam morrido, afinal era uma tragédia imensurável, mas ele não via sentido em desatar-se em lágrimas, pois, isto não faria as pessoas que morreram voltarem à vida, seria apenas perca de tempo. Danilo então caminhou lentamente até seu quarto, aonde achou sua nova sandália da havaianas que sua mãe havia comprado há cerca de uma semana, colocou-a nos pés e então saiu de casa, sem dizer ao menos aonde ia, ou que horas voltava, ele apenas saiu.

22 de Setembro de 2003         
            Era uma terça feira normal para todas as outras crianças de João Pessoa, menos para Danilo, que estava novamente em uma de suas incríveis conversas com a BDg, o que não era mais nada incomum em seus dias. Danilo preferia estar ali sentado perdendo horas á frente de um computador, do que estar socializando com as crianças do seu bairro, ele falava que elas eram chatas e pretenciosas, e por isto ele se negava a falar com qualquer outra pessoa da sua idade que não fosse a BDg. Era como um amor juvenil, eles contavam um ao outro o quão chatas eram as suas vidas, ou contavam histórias que eles haviam presenciado, ou mesmo aquelas que eles apenas ouviram de alguma outra pessoa, mas o principal assunto entre os dois era a música. BDg sempre estava atualizando Danilo sobre as novas bandas que iam surgindo das garagens para os pequenos bares, ou aquelas que eram mais corajosas e se inscreviam em algum tipo de evento em que eles tocavam e ficavam um pouco mais conhecidos. A Gradiente era uma destas bandas que estavam surgindo de uma garagem, e pretendia alcançar o topo do cenário musical do Brasil, e após mais um tempo eles pretendiam alcançar o mundo inteiro com suas músicas. Era uma época um pouco favorável para as bandas que queriam o Rock como o seu estilo principal, pois era do gosto da maioria dos jovens daquela época, e não era nada fora do normal ver uma crescente onda de bandas querendo aproveitar-se um pouco dessa onda que ia sendo isto. BDg dizia que estava ajudando as pessoas da banda á compor as letras, e falava que quando fosse mais velha, ela iria ser a vocalista da banda, mas por enquanto ela teria que ficar só nas letras, porque ela não podia sair para lugares longes por muito tempo, por causa da sua mãe que era um tanto quanto rigorosa quando se tratava em ver a sua filha se divertindo por ai, mas ela mantinha a esperança de que poderia ser uma grande vocalista um dia, e que seria uma famosa que se importaria bastante com os seus fãs, fazendo todo o possível para manter ao menos o máximo de contato possível com eles.
            Danilo via-se em um paraíso não real, pois tudo que podia ter daquela garota eram aquelas palavras que apareciam na tela do seu monitor, mas por algum motivo que ele não sabia definir, apenas aquilo era o bastante para ele, pois, ele preferia uma garota parecida com ele, e com as mesmas linhas de pensamentos, do que uma que estivesse ali ao lado dele, mas não tivesse nada em comum com ele. Eles falavam que seria legal os dois acabarem se encontrando em uma esquina qualquer algum dia, pois poderiam conversar melhor, ou até mesmo sair para algum lugar interessante, talvez até um show de alguma banda nova, ou até mesmo de alguma conhecida, o importante era estarem se vendo. Aquilo alimentava várias esperanças em Danilo, que quanto mais falava com ela, mais ia ficando apegado á aquela menina e começando a depender daquelas conversas que tinha com ela. Certo dia, eles estavam conversando, quando então Danilo falou:
“Ka”
[Ei, nós já falamos há um tempo, mas nunca perguntei aonde você mora kk]

“BDg”
[ Acho que longe de você, pois nunca que eu teria a sorte de morar perto de alguém legal, os garotos de onde eu moro só falam em coisas que eu não estou interessada. Moro em Campina Grande na Paraíba, e você?]

“Ka”
[Não estamos tão distantes! , moro em João Pessoa, mas acho que poderia ir ai em Campina se eu pedisse muito para o meu pai]

“BDg”
[Não quero que você se force a vir até aqui, aliás, nós nunca nos vimos, talvez possamos ser pessoas diferentes do que somos aqui no mundo virtual. Não quero que se decepcione comigo.]

“Ka”
[Não estou me forçando, eu realmente quero ir te ver. Não me importo com estas coisas, pois você é a pessoa que você é, pessoalmente ou virtualmente, sua personalidade verdadeira nunca mudará]

            Ela não respondeu nada por um bom tempo, deixando Danilo bastante preocupado. Ele pensava que tinha amedrontado a garota com suas palavras que faziam ele parecer nada mais que um garoto totalmente dependente dela, o que a fazia ter medo de algum relacionamento. Ele sabia no fundo que não deveria ter se aproximado tanto desta garota, mas agora já era muito tarde para voltar atrás, não podia soltar-se mais disso. A cada dia que passava, aquele sentimento mostrava mais e mais que não iria passar tão fácil, e Danilo cada vez mais se questionava como era possível gostar tanto de uma garota que ele nunca viu sequer uma foto.
            Enquanto todos pareciam levar sua vida normalmente, Danilo sabia que ele não era mais o mesmo garoto que costumava ser. Mesmo que ele já fosse meio antissocial, esta experiência apenas o deixou este quadro ainda pior, ele começou a se afastar dos seus amigos, chegando ao ponto de que não falava com mais ninguém, nem com a família. Tudo que ele mais queria no mundo era aquela garota, e ele jurou para si mesmo que iria consegui-la.
10 de Abril de 2005
            Danilo ainda não tinha voltado para casa, tinha ficado na casa de um amigo que ficava num bairro perto do qual ele morava, deixando-o um pouco longe de tudo que ele queria esquecer naquele momento. O nome dele era Thiago, um garoto gordo com várias espinhas distribuídas pela sua cara, o que fazia com que ele fosse alvo de muitas brincadeiras dos garotos da sua escola. Sua pele era quase tão branca quanto as penas de uma pomba e não era nada desgastada pelo sol, pois, ele quase não saia de casa. Tinha um pensamento muito parecido com o de Danilo sobre as outras crianças da idade dele, então acaba julgando que vale mais a pena ficar em casa visitando fóruns na internet. A única coisa que mudava no gosto dos dois, era os fóruns que eles frequentavam, pois, Danilo gosta de fóruns que falavam sobre música, enquanto Thiago preferia fóruns que falasse sobre histórias. Thiago adorava escrever sobre qualquer coisa, havia até vencido uma competição de histórias sobre temas aleatórios em um fórum uma vez, com certa facilidade até. Ele gostava de mostrar as histórias que ele criava para Danilo, pois julgava que ele era o único que apreciava tudo que ele escrevia. Ele também tocava na sua velha guitarra Memphis de vez em quando, mas era só por diversão, pois, ele não estava muito afim de começar uma carreira musical como Danilo, embora este fale bastante que os dois precisam montar uma banda para aproveitar a crescente que o Rock estava conseguindo no Brasil, mas era tudo em vão, Thiago não iria abandonar o seu sonho de virar um grande escritor.
            Era ali que Danilo sentia-se bem. Aqueles novos ares caiam como uma luva para ele, que estava já tão cheio de problemas e motivos para não estar feliz, mas era apenas o fato de estar ali conversando sobre coisas sem sentido com Thiago, que fazia ele esquecer um pouco das coisas que haviam acontecido.
            Em certo momento Thiago virou-se para Danilo e fez uma pergunta, com os olhos curiosos que costumava ter:
- Aquela banda que está envolvida com o acidente do festival, a Gradiente, não é a banda da garota que você costumava gostar? –
- Sim, é a banda dela – Respondeu Danilo
-Você não acha um tanto quanto curioso eles não terem aparecido no show? – Perguntou Thiago, enquanto pegava um pedaço da pizza que havia na mesa do seu quarto.
-Minha mãe fez quase a mesma pergunta, mas vou te falar a mesma coisa que falei para ela, que é a que eles não tem com isto. – Respondeu Danilo, suspirando um pouco ao terminar de falar.
- Eu tenho quase certeza de que eles tiveram algum envolvimento com este acidente, pois seria impossível eles preverem o futuro ou algo parecido – Falou Thiago.
-Você não pode apenas aceitar o fato deles terem sorte? – Indagou Danilo, enquanto pegava o ultimo pedaço da pizza.
-Sou seu amigo, e você sabe que eu sou, mas não estou do seu lado nesta. Há alguma coisa por trás disto, e eu quero descobrir o que é - Disse Thiago, com um olhar de quem está decidido.
-Não há nada demais nisto, ora!. Acho que você está com segundas intenções nisto, talvez esteja querendo que eu volte a falar com ela, o que vou logo te falando que é uma coisa que eu decididamente não vou fazer – Falou Danilo, aparentando começar a ficar com raiva de tudo aquilo.
            Enquanto os dois conversavam, uma chuva fraca e contínua caia no chão, dando um pequeno toque de melancolia, que caia muito bem em João Pessoa. O quarto estava muito arrumado, o que iria quebrar os pré-conceitos que as pessoas eventualmente formulariam sobre Thiago, que seria o de uma pessoa que não arrumava seu quarto, ou que fosse desleixada com todas as coisas. Ao fundo tocava uma antiga canção do Nirvana, que se chama “come as you are”, mas estava apenas a som ambiente, como se fosse apenas para dar um toque a mais naquele atípico cenário. Após Danilo ter falado, Thiago ficou um pouco retraído, pois, ele não esperava ouvir uma resposta daquela do seu amigo, até porque não era esta a real intenção dele estar curioso sobre o caso do festival, mas sim o próprio caso do festival. Depois de um tempo, Thiago olhou nos olhos de Danilo e disse:
-Desculpe-me, mas não era minha intenção tocar neste assunto, embora eu saiba que falando da Gradiente eu vá te fazer lembrar ela, nem que seja um pouco. Peço sinceras desculpas. Quero que me ajudes neste caso, não farei com que você tenha contato algum com ela, mesmo que pensando bem isto seria uma boa ajuda, mas nós iremos investigar de longe, sem ter contato com as coisas – Disse Thiago
-Eu não quero investigar ela!!, é difícil entender isto? – Disse Danilo, levantando-se revoltado com a insistência do seu amigo neste assunto. – Se for para ficar me enchendo com esse assunto, eu prefiro ir para casa. Eu nunca vou perdoar o que ela fez, e você deveria saber disto! -