sábado, 17 de dezembro de 2016

Capítulo Dois – Rótulos

5 de Abril de 2005
            Danilo acordava ás 9 da manhã naquela apática terça-feira, tinha perdido aula, mas ele não estava se importando nenhum pouco para aquilo, pois, se sua mãe não o forçasse a ir, ele teria perdido boa parte do ano. Danilo sempre foi muito preguiçoso para levantar cedo e ir para a escola, sua mãe chegou a transferir ele para o turno da tarde, mas ele não se adaptou muito bem, e acabou voltando para o turno da manhã. A tristeza parecia que estava instalada em qualquer lugar para onde ele olhava, mas principalmente no seu coração, aonde ai ela fazia o seu reino. Ter levado aquele fora de Gabriela não leva toda a culpa por aquela tristeza, pois, já estando triste, Danilo ficava se perguntado se sua vida tinha realmente sentido, pois nada que ele fazia trazia a satisfação que ele precisava, e isto o deixava muito pra baixo, não ter satisfação em nada é uma situação complicada de apatia, mas ele sabia disto. Parando para pensar, talvez a razão de Danilo não ir para a escola é o fato de que ele não tem nenhum amigo, e isto é um grande desmotivador para ir para a escola, pois, pelo menos em casa ele tem o computador, tem tudo aquilo que ele sempre precisou, todo o seu mundo sempre girou naquele computador. Danilo então ligou o seu computador, como fazia em qualquer dia normal, geralmente já ia se preparando para jogar, mas ele não estava muito afim de jogar nada, queria apenas entrar no computador e perder tempo lendo tópicos e mais tópicos que falassem sobre música, talvez até ficar vendo fotos antigas da sua família, enfim, qualquer coisa que fizesse o tempo passar. Tendo o computar já ligado, Danilo resolve então entrar no internet explorer para poder visitar seus blogs que costumava ir antigamente, mesmo que isso lembrasse muito o tempo em que ele tinha um fórum, e que tinha feito muito sucesso, ele continuava entrando, não por que gostava, acho que era mais por não ter nada a fazer e isto já ser um hábito. O que chamou a atenção dele foi um post que estava em destaque no primeiro blog que entrou, o prime, cujo título estava em vermelho, com o nome “[LUTO] Por todas as vítimas”. Danilo então clicou no post sem pensar duas vezes, se deparando com a seguinte postagem:
“Por todos aqueles que perderam a vida, eu nada mais quero um mundo mais seguro em que todos possamos ser livres para podermos sair para onde quisermos, acho até que já deveríamos estar em um mundo assim. Não foi algo de uma pessoa normal, apenas um psicopata faria aquilo, pois não tinha necessidade nenhuma de ter provocado algo em grande escala como isso, seremos marcados pela mídia eternamente por este fato, o que dirão os estrangeiros?. O Brasil não liga muito para a segurança, deixando alguém fazer este tipo de coisa em um festival que estava ótimo até então, mas enfim, quero que os parente daqueles que foram mortos sejam reconfortados, mesmo sabendo que é algo muito difícil”. Danilo então ficou em choque, não podia acreditar que uma coisa daquele tamanho iria acontecer logo ali na sua cidade, num lugar que não era muito pacífico, mas sempre que tinha um festival as coisas normalizavam. Era cruel, ou também poderíamos classificar isto como: “Desumano”, “Psicopata”, “Infernal”, etc. Todos estavam abismados com tudo aquilo, as pessoas estavam evitando de sair de casa, pois se aquilo aconteceu, eles sequer querem tentar imaginar o que pode vir depois. Parece como se tivesse sido uma brincadeira, as pessoas estavam pensando em um ataque terrorista, ou algo do tipo, mas ninguém sabia ao certo o que tinha sido aquilo, e até agora os culpados não tinham sido encontrados.
Danilo então desligou o seu computador, mas não do modo correto, apenas puxou a tomada do módulo isolador, e então foi até a sala para conversar com a sua mãe sobre aquilo, era algo torturante, que agora tomava toda a sua atenção, até o fora que tinha tomado na noite anterior, parecia ter se tornado um enorme nada agora com esta notícia. A televisão da sala estava sintonizada num canal local, que estava transmitindo noticias justamente deste fato, era uma jornalista meio antipática que estava toda vestida de preto, desde o seu vestido levemente menor que seu corpo até seu salto alto. A moça estava andando perto dos escombros que sobraram de algumas estruturas que lá haviam, e mais cedo encontravam-se pedaços humanos que haviam voado com a explosão, não que ainda não houvesse pedaços, mas a quantidade era bastante reduzida. Enquanto transmitia os fatos que ocorreram naquele local, ela fazia algumas observações em que deixava escapar a sua própria opinião sobre o fato, o que tirava um pouco da sua credibilidade, mas nada tão agravante. Danilo então olhou para a sua mãe, e mesmo querendo abrir a boca para falar algo a respeito deste fato ele não conseguiu, as palavras simplesmente não saíram, como se fossem intocáveis sonhos, que mesmo que se você chegar perto deles, não conseguirá tocá-los. Joana então abraçou-se com seu filho, e colocando a sua cabeça sobre o ombro dele, desatou em choro durante bastante tempo,  Danilo que também estava chocado com tudo aquilo, apenas afagou as mágoas da mãe em seu ombro, enquanto alisava o cabelo preto e extremamente liso que Joana tinha. Após algum tempo, Danilo faliu para sua mãe:
-Aconteceu alguma coisa com a Gradiente? – Perguntou Danilo – Já que eles iriam tocar naquele festival, provavelmente eles deveriam estar no local na hora da explosão, eles estão bem?;
-Como você é insensível meu filho! – Repreendeu Joana – Com tantas pessoas mortas nisto você vai ficar ai preocupado com apenas os músicos?, pense nos garotos que estavam lá, toda a plateia foi dizimada, e você ai preocupado com a Gradiente. Ah, e para a sua informação a gradiente não sofreu nada, ela cancelou a participação dela um pouco antes do show;
-Isto é um alívio, só de saber que nada aconteceu com ela... – Suspirou Danilo – Já me bastava o que aconteceu ontem.
-O que é isto agora? ,  você realmente não se importa com todas as outras pessoas que estavam lá? ,  que tipo de pessoa você se tornou? – Esbravejou Joana – Ao menos mostre um pouco de consideração por todos os outros que estavam, e acabaram morrendo.
            Danilo então olhou para a mãe por alguns instantes, mas nada falou, não queria arrumar confusão naquela hora. A sua mãe poderia não saber, mas ele também estava mal por todas as outras pessoas que haviam morrido, afinal era uma tragédia imensurável, mas ele não via sentido em desatar-se em lágrimas, pois, isto não faria as pessoas que morreram voltarem à vida, seria apenas perca de tempo. Danilo então caminhou lentamente até seu quarto, aonde achou sua nova sandália da havaianas que sua mãe havia comprado há cerca de uma semana, colocou-a nos pés e então saiu de casa, sem dizer ao menos aonde ia, ou que horas voltava, ele apenas saiu.

22 de Setembro de 2003         
            Era uma terça feira normal para todas as outras crianças de João Pessoa, menos para Danilo, que estava novamente em uma de suas incríveis conversas com a BDg, o que não era mais nada incomum em seus dias. Danilo preferia estar ali sentado perdendo horas á frente de um computador, do que estar socializando com as crianças do seu bairro, ele falava que elas eram chatas e pretenciosas, e por isto ele se negava a falar com qualquer outra pessoa da sua idade que não fosse a BDg. Era como um amor juvenil, eles contavam um ao outro o quão chatas eram as suas vidas, ou contavam histórias que eles haviam presenciado, ou mesmo aquelas que eles apenas ouviram de alguma outra pessoa, mas o principal assunto entre os dois era a música. BDg sempre estava atualizando Danilo sobre as novas bandas que iam surgindo das garagens para os pequenos bares, ou aquelas que eram mais corajosas e se inscreviam em algum tipo de evento em que eles tocavam e ficavam um pouco mais conhecidos. A Gradiente era uma destas bandas que estavam surgindo de uma garagem, e pretendia alcançar o topo do cenário musical do Brasil, e após mais um tempo eles pretendiam alcançar o mundo inteiro com suas músicas. Era uma época um pouco favorável para as bandas que queriam o Rock como o seu estilo principal, pois era do gosto da maioria dos jovens daquela época, e não era nada fora do normal ver uma crescente onda de bandas querendo aproveitar-se um pouco dessa onda que ia sendo isto. BDg dizia que estava ajudando as pessoas da banda á compor as letras, e falava que quando fosse mais velha, ela iria ser a vocalista da banda, mas por enquanto ela teria que ficar só nas letras, porque ela não podia sair para lugares longes por muito tempo, por causa da sua mãe que era um tanto quanto rigorosa quando se tratava em ver a sua filha se divertindo por ai, mas ela mantinha a esperança de que poderia ser uma grande vocalista um dia, e que seria uma famosa que se importaria bastante com os seus fãs, fazendo todo o possível para manter ao menos o máximo de contato possível com eles.
            Danilo via-se em um paraíso não real, pois tudo que podia ter daquela garota eram aquelas palavras que apareciam na tela do seu monitor, mas por algum motivo que ele não sabia definir, apenas aquilo era o bastante para ele, pois, ele preferia uma garota parecida com ele, e com as mesmas linhas de pensamentos, do que uma que estivesse ali ao lado dele, mas não tivesse nada em comum com ele. Eles falavam que seria legal os dois acabarem se encontrando em uma esquina qualquer algum dia, pois poderiam conversar melhor, ou até mesmo sair para algum lugar interessante, talvez até um show de alguma banda nova, ou até mesmo de alguma conhecida, o importante era estarem se vendo. Aquilo alimentava várias esperanças em Danilo, que quanto mais falava com ela, mais ia ficando apegado á aquela menina e começando a depender daquelas conversas que tinha com ela. Certo dia, eles estavam conversando, quando então Danilo falou:
“Ka”
[Ei, nós já falamos há um tempo, mas nunca perguntei aonde você mora kk]

“BDg”
[ Acho que longe de você, pois nunca que eu teria a sorte de morar perto de alguém legal, os garotos de onde eu moro só falam em coisas que eu não estou interessada. Moro em Campina Grande na Paraíba, e você?]

“Ka”
[Não estamos tão distantes! , moro em João Pessoa, mas acho que poderia ir ai em Campina se eu pedisse muito para o meu pai]

“BDg”
[Não quero que você se force a vir até aqui, aliás, nós nunca nos vimos, talvez possamos ser pessoas diferentes do que somos aqui no mundo virtual. Não quero que se decepcione comigo.]

“Ka”
[Não estou me forçando, eu realmente quero ir te ver. Não me importo com estas coisas, pois você é a pessoa que você é, pessoalmente ou virtualmente, sua personalidade verdadeira nunca mudará]

            Ela não respondeu nada por um bom tempo, deixando Danilo bastante preocupado. Ele pensava que tinha amedrontado a garota com suas palavras que faziam ele parecer nada mais que um garoto totalmente dependente dela, o que a fazia ter medo de algum relacionamento. Ele sabia no fundo que não deveria ter se aproximado tanto desta garota, mas agora já era muito tarde para voltar atrás, não podia soltar-se mais disso. A cada dia que passava, aquele sentimento mostrava mais e mais que não iria passar tão fácil, e Danilo cada vez mais se questionava como era possível gostar tanto de uma garota que ele nunca viu sequer uma foto.
            Enquanto todos pareciam levar sua vida normalmente, Danilo sabia que ele não era mais o mesmo garoto que costumava ser. Mesmo que ele já fosse meio antissocial, esta experiência apenas o deixou este quadro ainda pior, ele começou a se afastar dos seus amigos, chegando ao ponto de que não falava com mais ninguém, nem com a família. Tudo que ele mais queria no mundo era aquela garota, e ele jurou para si mesmo que iria consegui-la.
10 de Abril de 2005
            Danilo ainda não tinha voltado para casa, tinha ficado na casa de um amigo que ficava num bairro perto do qual ele morava, deixando-o um pouco longe de tudo que ele queria esquecer naquele momento. O nome dele era Thiago, um garoto gordo com várias espinhas distribuídas pela sua cara, o que fazia com que ele fosse alvo de muitas brincadeiras dos garotos da sua escola. Sua pele era quase tão branca quanto as penas de uma pomba e não era nada desgastada pelo sol, pois, ele quase não saia de casa. Tinha um pensamento muito parecido com o de Danilo sobre as outras crianças da idade dele, então acaba julgando que vale mais a pena ficar em casa visitando fóruns na internet. A única coisa que mudava no gosto dos dois, era os fóruns que eles frequentavam, pois, Danilo gosta de fóruns que falavam sobre música, enquanto Thiago preferia fóruns que falasse sobre histórias. Thiago adorava escrever sobre qualquer coisa, havia até vencido uma competição de histórias sobre temas aleatórios em um fórum uma vez, com certa facilidade até. Ele gostava de mostrar as histórias que ele criava para Danilo, pois julgava que ele era o único que apreciava tudo que ele escrevia. Ele também tocava na sua velha guitarra Memphis de vez em quando, mas era só por diversão, pois, ele não estava muito afim de começar uma carreira musical como Danilo, embora este fale bastante que os dois precisam montar uma banda para aproveitar a crescente que o Rock estava conseguindo no Brasil, mas era tudo em vão, Thiago não iria abandonar o seu sonho de virar um grande escritor.
            Era ali que Danilo sentia-se bem. Aqueles novos ares caiam como uma luva para ele, que estava já tão cheio de problemas e motivos para não estar feliz, mas era apenas o fato de estar ali conversando sobre coisas sem sentido com Thiago, que fazia ele esquecer um pouco das coisas que haviam acontecido.
            Em certo momento Thiago virou-se para Danilo e fez uma pergunta, com os olhos curiosos que costumava ter:
- Aquela banda que está envolvida com o acidente do festival, a Gradiente, não é a banda da garota que você costumava gostar? –
- Sim, é a banda dela – Respondeu Danilo
-Você não acha um tanto quanto curioso eles não terem aparecido no show? – Perguntou Thiago, enquanto pegava um pedaço da pizza que havia na mesa do seu quarto.
-Minha mãe fez quase a mesma pergunta, mas vou te falar a mesma coisa que falei para ela, que é a que eles não tem com isto. – Respondeu Danilo, suspirando um pouco ao terminar de falar.
- Eu tenho quase certeza de que eles tiveram algum envolvimento com este acidente, pois seria impossível eles preverem o futuro ou algo parecido – Falou Thiago.
-Você não pode apenas aceitar o fato deles terem sorte? – Indagou Danilo, enquanto pegava o ultimo pedaço da pizza.
-Sou seu amigo, e você sabe que eu sou, mas não estou do seu lado nesta. Há alguma coisa por trás disto, e eu quero descobrir o que é - Disse Thiago, com um olhar de quem está decidido.
-Não há nada demais nisto, ora!. Acho que você está com segundas intenções nisto, talvez esteja querendo que eu volte a falar com ela, o que vou logo te falando que é uma coisa que eu decididamente não vou fazer – Falou Danilo, aparentando começar a ficar com raiva de tudo aquilo.
            Enquanto os dois conversavam, uma chuva fraca e contínua caia no chão, dando um pequeno toque de melancolia, que caia muito bem em João Pessoa. O quarto estava muito arrumado, o que iria quebrar os pré-conceitos que as pessoas eventualmente formulariam sobre Thiago, que seria o de uma pessoa que não arrumava seu quarto, ou que fosse desleixada com todas as coisas. Ao fundo tocava uma antiga canção do Nirvana, que se chama “come as you are”, mas estava apenas a som ambiente, como se fosse apenas para dar um toque a mais naquele atípico cenário. Após Danilo ter falado, Thiago ficou um pouco retraído, pois, ele não esperava ouvir uma resposta daquela do seu amigo, até porque não era esta a real intenção dele estar curioso sobre o caso do festival, mas sim o próprio caso do festival. Depois de um tempo, Thiago olhou nos olhos de Danilo e disse:
-Desculpe-me, mas não era minha intenção tocar neste assunto, embora eu saiba que falando da Gradiente eu vá te fazer lembrar ela, nem que seja um pouco. Peço sinceras desculpas. Quero que me ajudes neste caso, não farei com que você tenha contato algum com ela, mesmo que pensando bem isto seria uma boa ajuda, mas nós iremos investigar de longe, sem ter contato com as coisas – Disse Thiago
-Eu não quero investigar ela!!, é difícil entender isto? – Disse Danilo, levantando-se revoltado com a insistência do seu amigo neste assunto. – Se for para ficar me enchendo com esse assunto, eu prefiro ir para casa. Eu nunca vou perdoar o que ela fez, e você deveria saber disto! -

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