Capítulo Dois – Rótulos
5 de Abril de 2005
Danilo acordava ás 9 da manhã naquela apática terça-feira, tinha perdido
aula, mas ele não estava se importando nenhum pouco para aquilo, pois, se sua
mãe não o forçasse a ir, ele teria perdido boa parte do ano. Danilo sempre foi
muito preguiçoso para levantar cedo e ir para a escola, sua mãe chegou a
transferir ele para o turno da tarde, mas ele não se adaptou muito bem, e
acabou voltando para o turno da manhã. A tristeza parecia que estava instalada
em qualquer lugar para onde ele olhava, mas principalmente no seu coração,
aonde ai ela fazia o seu reino. Ter levado aquele fora de Gabriela não leva
toda a culpa por aquela tristeza, pois, já estando triste, Danilo ficava se
perguntado se sua vida tinha realmente sentido, pois nada que ele fazia trazia
a satisfação que ele precisava, e isto o deixava muito pra baixo, não ter
satisfação em nada é uma situação complicada de apatia, mas ele sabia disto.
Parando para pensar, talvez a razão de Danilo não ir para a escola é o fato de
que ele não tem nenhum amigo, e isto é um grande desmotivador para ir para a
escola, pois, pelo menos em casa ele tem o computador, tem tudo aquilo que ele
sempre precisou, todo o seu mundo sempre girou naquele computador. Danilo então
ligou o seu computador, como fazia em qualquer dia normal, geralmente já ia se
preparando para jogar, mas ele não estava muito afim de jogar nada, queria
apenas entrar no computador e perder tempo lendo tópicos e mais tópicos que
falassem sobre música, talvez até ficar vendo fotos antigas da sua família,
enfim, qualquer coisa que fizesse o tempo passar. Tendo o computar já ligado,
Danilo resolve então entrar no internet explorer para poder visitar seus blogs que
costumava ir antigamente, mesmo que isso lembrasse muito o tempo em que ele
tinha um fórum, e que tinha feito muito sucesso, ele continuava entrando, não
por que gostava, acho que era mais por não ter nada a fazer e isto já ser um
hábito. O que chamou a atenção dele foi um post que estava em destaque no
primeiro blog que entrou, o prime, cujo título estava em vermelho, com o nome
“[LUTO] Por todas as vítimas”. Danilo então clicou no post sem pensar duas
vezes, se deparando com a seguinte postagem:
“Por todos aqueles que
perderam a vida, eu nada mais quero um mundo mais seguro em que todos possamos
ser livres para podermos sair para onde quisermos, acho até que já deveríamos
estar em um mundo assim. Não foi algo de uma pessoa normal, apenas um psicopata
faria aquilo, pois não tinha necessidade nenhuma de ter provocado algo em
grande escala como isso, seremos marcados pela mídia eternamente por este fato,
o que dirão os estrangeiros?. O Brasil não liga muito para a segurança,
deixando alguém fazer este tipo de coisa em um festival que estava ótimo até
então, mas enfim, quero que os parente daqueles que foram mortos sejam
reconfortados, mesmo sabendo que é algo muito difícil”. Danilo então ficou em
choque, não podia acreditar que uma coisa daquele tamanho iria acontecer logo
ali na sua cidade, num lugar que não era muito pacífico, mas sempre que tinha
um festival as coisas normalizavam. Era cruel, ou também poderíamos classificar
isto como: “Desumano”, “Psicopata”, “Infernal”, etc. Todos estavam abismados com
tudo aquilo, as pessoas estavam evitando de sair de casa, pois se aquilo
aconteceu, eles sequer querem tentar imaginar o que pode vir depois. Parece
como se tivesse sido uma brincadeira, as pessoas estavam pensando em um ataque
terrorista, ou algo do tipo, mas ninguém sabia ao certo o que tinha sido
aquilo, e até agora os culpados não tinham sido encontrados.
Danilo então desligou o seu computador, mas não do modo correto, apenas
puxou a tomada do módulo isolador, e então foi até a sala para conversar com a
sua mãe sobre aquilo, era algo torturante, que agora tomava toda a sua atenção,
até o fora que tinha tomado na noite anterior, parecia ter se tornado um enorme
nada agora com esta notícia. A televisão da sala estava sintonizada num canal
local, que estava transmitindo noticias justamente deste fato, era uma
jornalista meio antipática que estava toda vestida de preto, desde o seu
vestido levemente menor que seu corpo até seu salto alto. A moça estava andando
perto dos escombros que sobraram de algumas estruturas que lá haviam, e mais
cedo encontravam-se pedaços humanos que haviam voado com a explosão, não que
ainda não houvesse pedaços, mas a quantidade era bastante reduzida. Enquanto
transmitia os fatos que ocorreram naquele local, ela fazia algumas observações
em que deixava escapar a sua própria opinião sobre o fato, o que tirava um
pouco da sua credibilidade, mas nada tão agravante. Danilo então olhou para a
sua mãe, e mesmo querendo abrir a boca para falar algo a respeito deste fato
ele não conseguiu, as palavras simplesmente não saíram, como se fossem
intocáveis sonhos, que mesmo que se você chegar perto deles, não conseguirá
tocá-los. Joana então abraçou-se com seu filho, e colocando a sua cabeça sobre
o ombro dele, desatou em choro durante bastante tempo, Danilo que também estava chocado com tudo
aquilo, apenas afagou as mágoas da mãe em seu ombro, enquanto alisava o cabelo
preto e extremamente liso que Joana tinha. Após algum tempo, Danilo faliu para
sua mãe:
-Aconteceu alguma coisa
com a Gradiente? – Perguntou Danilo – Já que eles iriam tocar naquele festival,
provavelmente eles deveriam estar no local na hora da explosão, eles estão
bem?;
-Como você é insensível
meu filho! – Repreendeu Joana – Com tantas pessoas mortas nisto você vai ficar
ai preocupado com apenas os músicos?, pense nos garotos que estavam lá, toda a
plateia foi dizimada, e você ai preocupado com a Gradiente. Ah, e para a sua
informação a gradiente não sofreu nada, ela cancelou a participação dela um
pouco antes do show;
-Isto é um alívio, só
de saber que nada aconteceu com ela... – Suspirou Danilo – Já me bastava o que
aconteceu ontem.
-O que é isto agora?
, você realmente não se importa com
todas as outras pessoas que estavam lá? ,
que tipo de pessoa você se tornou? – Esbravejou Joana – Ao menos mostre
um pouco de consideração por todos os outros que estavam, e acabaram morrendo.
Danilo então olhou para a mãe por alguns instantes, mas
nada falou, não queria arrumar confusão naquela hora. A sua mãe poderia não
saber, mas ele também estava mal por todas as outras pessoas que haviam
morrido, afinal era uma tragédia imensurável, mas ele não via sentido em
desatar-se em lágrimas, pois, isto não faria as pessoas que morreram voltarem à
vida, seria apenas perca de tempo. Danilo então caminhou lentamente até seu
quarto, aonde achou sua nova sandália da havaianas que sua mãe havia comprado
há cerca de uma semana, colocou-a nos pés e então saiu de casa, sem dizer ao
menos aonde ia, ou que horas voltava, ele apenas saiu.
22 de Setembro de 2003
Era uma terça feira normal para todas as outras crianças
de João Pessoa, menos para Danilo, que estava novamente em uma de suas
incríveis conversas com a BDg, o que não era mais nada incomum em seus dias.
Danilo preferia estar ali sentado perdendo horas á frente de um computador, do
que estar socializando com as crianças do seu bairro, ele falava que elas eram
chatas e pretenciosas, e por isto ele se negava a falar com qualquer outra
pessoa da sua idade que não fosse a BDg. Era como um amor juvenil, eles
contavam um ao outro o quão chatas eram as suas vidas, ou contavam histórias
que eles haviam presenciado, ou mesmo aquelas que eles apenas ouviram de alguma
outra pessoa, mas o principal assunto entre os dois era a música. BDg sempre
estava atualizando Danilo sobre as novas bandas que iam surgindo das garagens
para os pequenos bares, ou aquelas que eram mais corajosas e se inscreviam em
algum tipo de evento em que eles tocavam e ficavam um pouco mais conhecidos. A
Gradiente era uma destas bandas que estavam surgindo de uma garagem, e
pretendia alcançar o topo do cenário musical do Brasil, e após mais um tempo
eles pretendiam alcançar o mundo inteiro com suas músicas. Era uma época um
pouco favorável para as bandas que queriam o Rock como o seu estilo principal,
pois era do gosto da maioria dos jovens daquela época, e não era nada fora do
normal ver uma crescente onda de bandas querendo aproveitar-se um pouco dessa
onda que ia sendo isto. BDg dizia que estava ajudando as pessoas da banda á
compor as letras, e falava que quando fosse mais velha, ela iria ser a
vocalista da banda, mas por enquanto ela teria que ficar só nas letras, porque
ela não podia sair para lugares longes por muito tempo, por causa da sua mãe
que era um tanto quanto rigorosa quando se tratava em ver a sua filha se
divertindo por ai, mas ela mantinha a esperança de que poderia ser uma grande
vocalista um dia, e que seria uma famosa que se importaria bastante com os seus
fãs, fazendo todo o possível para manter ao menos o máximo de contato possível
com eles.
Danilo via-se em um paraíso não real, pois tudo que podia
ter daquela garota eram aquelas palavras que apareciam na tela do seu monitor,
mas por algum motivo que ele não sabia definir, apenas aquilo era o bastante
para ele, pois, ele preferia uma garota parecida com ele, e com as mesmas
linhas de pensamentos, do que uma que estivesse ali ao lado dele, mas não
tivesse nada em comum com ele. Eles falavam que seria legal os dois acabarem se
encontrando em uma esquina qualquer algum dia, pois poderiam conversar melhor,
ou até mesmo sair para algum lugar interessante, talvez até um show de alguma
banda nova, ou até mesmo de alguma conhecida, o importante era estarem se
vendo. Aquilo alimentava várias esperanças em Danilo, que quanto mais falava
com ela, mais ia ficando apegado á aquela menina e começando a depender
daquelas conversas que tinha com ela. Certo dia, eles estavam conversando,
quando então Danilo falou:
“Ka”
[Ei, nós já falamos há
um tempo, mas nunca perguntei aonde você mora kk]
“BDg”
[ Acho que longe de
você, pois nunca que eu teria a sorte de morar perto de alguém legal, os
garotos de onde eu moro só falam em coisas que eu não estou interessada. Moro
em Campina Grande na Paraíba, e você?]
“Ka”
[Não estamos tão
distantes! , moro em João Pessoa, mas acho que poderia ir ai em Campina se eu
pedisse muito para o meu pai]
“BDg”
[Não quero que você se
force a vir até aqui, aliás, nós nunca nos vimos, talvez possamos ser pessoas
diferentes do que somos aqui no mundo virtual. Não quero que se decepcione
comigo.]
“Ka”
[Não estou me forçando,
eu realmente quero ir te ver. Não me importo com estas coisas, pois você é a
pessoa que você é, pessoalmente ou virtualmente, sua personalidade verdadeira
nunca mudará]
Ela não respondeu nada por um bom tempo, deixando Danilo
bastante preocupado. Ele pensava que tinha amedrontado a garota com suas
palavras que faziam ele parecer nada mais que um garoto totalmente dependente
dela, o que a fazia ter medo de algum relacionamento. Ele sabia no fundo que
não deveria ter se aproximado tanto desta garota, mas agora já era muito tarde
para voltar atrás, não podia soltar-se mais disso. A cada dia que passava,
aquele sentimento mostrava mais e mais que não iria passar tão fácil, e Danilo
cada vez mais se questionava como era possível gostar tanto de uma garota que
ele nunca viu sequer uma foto.
Enquanto todos pareciam levar sua vida normalmente,
Danilo sabia que ele não era mais o mesmo garoto que costumava ser. Mesmo que
ele já fosse meio antissocial, esta experiência apenas o deixou este quadro
ainda pior, ele começou a se afastar dos seus amigos, chegando ao ponto de que
não falava com mais ninguém, nem com a família. Tudo que ele mais queria no
mundo era aquela garota, e ele jurou para si mesmo que iria consegui-la.
10 de Abril de 2005
Danilo ainda não tinha voltado para casa, tinha ficado na
casa de um amigo que ficava num bairro perto do qual ele morava, deixando-o um
pouco longe de tudo que ele queria esquecer naquele momento. O nome dele era
Thiago, um garoto gordo com várias espinhas distribuídas pela sua cara, o que
fazia com que ele fosse alvo de muitas brincadeiras dos garotos da sua escola.
Sua pele era quase tão branca quanto as penas de uma pomba e não era nada
desgastada pelo sol, pois, ele quase não saia de casa. Tinha um pensamento
muito parecido com o de Danilo sobre as outras crianças da idade dele, então
acaba julgando que vale mais a pena ficar em casa visitando fóruns na internet.
A única coisa que mudava no gosto dos dois, era os fóruns que eles frequentavam,
pois, Danilo gosta de fóruns que falavam sobre música, enquanto Thiago preferia
fóruns que falasse sobre histórias. Thiago adorava escrever sobre qualquer
coisa, havia até vencido uma competição de histórias sobre temas aleatórios em
um fórum uma vez, com certa facilidade até. Ele gostava de mostrar as histórias
que ele criava para Danilo, pois julgava que ele era o único que apreciava tudo
que ele escrevia. Ele também tocava na sua velha guitarra Memphis de vez em
quando, mas era só por diversão, pois, ele não estava muito afim de começar uma
carreira musical como Danilo, embora este fale bastante que os dois precisam
montar uma banda para aproveitar a crescente que o Rock estava conseguindo no
Brasil, mas era tudo em vão, Thiago não iria abandonar o seu sonho de virar um
grande escritor.
Era ali que Danilo sentia-se bem. Aqueles novos ares
caiam como uma luva para ele, que estava já tão cheio de problemas e motivos
para não estar feliz, mas era apenas o fato de estar ali conversando sobre
coisas sem sentido com Thiago, que fazia ele esquecer um pouco das coisas que
haviam acontecido.
Em certo momento Thiago virou-se para Danilo e fez uma
pergunta, com os olhos curiosos que costumava ter:
- Aquela banda que está
envolvida com o acidente do festival, a Gradiente, não é a banda da garota que
você costumava gostar? –
- Sim, é a banda dela –
Respondeu Danilo
-Você não acha um tanto
quanto curioso eles não terem aparecido no show? – Perguntou Thiago, enquanto
pegava um pedaço da pizza que havia na mesa do seu quarto.
-Minha mãe fez quase a
mesma pergunta, mas vou te falar a mesma coisa que falei para ela, que é a que
eles não tem com isto. – Respondeu Danilo, suspirando um pouco ao terminar de
falar.
- Eu tenho quase
certeza de que eles tiveram algum envolvimento com este acidente, pois seria
impossível eles preverem o futuro ou algo parecido – Falou Thiago.
-Você não pode apenas
aceitar o fato deles terem sorte? – Indagou Danilo, enquanto pegava o ultimo
pedaço da pizza.
-Sou seu amigo, e você
sabe que eu sou, mas não estou do seu lado nesta. Há alguma coisa por trás
disto, e eu quero descobrir o que é - Disse Thiago, com um olhar de quem está
decidido.
-Não há nada demais
nisto, ora!. Acho que você está com segundas intenções nisto, talvez esteja
querendo que eu volte a falar com ela, o que vou logo te falando que é uma
coisa que eu decididamente não vou fazer – Falou Danilo, aparentando começar a
ficar com raiva de tudo aquilo.
Enquanto os dois conversavam, uma chuva fraca e contínua
caia no chão, dando um pequeno toque de melancolia, que caia muito bem em João
Pessoa. O quarto estava muito arrumado, o que iria quebrar os pré-conceitos que
as pessoas eventualmente formulariam sobre Thiago, que seria o de uma pessoa
que não arrumava seu quarto, ou que fosse desleixada com todas as coisas. Ao
fundo tocava uma antiga canção do Nirvana, que se chama “come as you are”, mas
estava apenas a som ambiente, como se fosse apenas para dar um toque a mais
naquele atípico cenário. Após Danilo ter falado, Thiago ficou um pouco
retraído, pois, ele não esperava ouvir uma resposta daquela do seu amigo, até
porque não era esta a real intenção dele estar curioso sobre o caso do
festival, mas sim o próprio caso do festival. Depois de um tempo, Thiago olhou
nos olhos de Danilo e disse:
-Desculpe-me, mas não
era minha intenção tocar neste assunto, embora eu saiba que falando da
Gradiente eu vá te fazer lembrar ela, nem que seja um pouco. Peço sinceras
desculpas. Quero que me ajudes neste caso, não farei com que você tenha contato
algum com ela, mesmo que pensando bem isto seria uma boa ajuda, mas nós iremos
investigar de longe, sem ter contato com as coisas – Disse Thiago
-Eu não quero
investigar ela!!, é difícil entender isto? – Disse Danilo, levantando-se
revoltado com a insistência do seu amigo neste assunto. – Se for para ficar me
enchendo com esse assunto, eu prefiro ir para casa. Eu nunca vou perdoar o que
ela fez, e você deveria saber disto! -
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